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sexta-feira, outubro 11, 2024

‘Vão-se os anéis, ficam os dedos’

O vice-governador de São Paulo, Felício Ramuth, 55 anos, teve um importante papel no primeiro ano de gestão do governo do Estado. Ele se tornou o representante de uma aliança que tem sido um contraponto ao governo federal. Sem deixar de realizar projetos. Membro do Partido Social Democrático (PSD), Ramuth é também presidente do comitê de desestatização e coordena as políticas relativas à cracolândia.

Para ele, tem prevalecido a sintonia de ideias com o governador Tarcísio de Freitas, do Republicanos. Formado em administração, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ramuth só se aproximou da  política em 1993, no balcão de sua loja em São José dos Campos, para onde se mudara em 1985. 

Interessou-se pelo tema ao ser questionado por um marceneiro sobre o plebiscito que iria definir entre parlamentarismo, presidencialismo ou monarquia. Passou a frequentar comitês e não saiu da política. Foi prefeito de São José entre 2017 e 2022.

Leia também: “O PCC montou um bunker no Guarujá”, entrevista com Tarcísio de Freitas publicada na Edição 179 da Revista Oeste

De origem judaica, o vice-governador, casado com Vanessa e pai de Isadora, de 18 anos, veio de uma família sem recursos financeiros. Frequentou a Escola Estadual Professor Ênio Voss, no Brooklin, perto de onde morava, em São Paulo, até os 10 anos. 

Ramuth é neto de romenos por parte do pai, Élcio, com 86 anos, e de poloneses por parte da mãe, Silvia, que faleceu quando ele era menino. Aos 11 anos, foi estudar no Bialik, colégio particular israelita. Isso graças a uma bolsa de uma entidade judaica. Foi lá que fez seus maiores amigos e se aproximou mais das tradições da comunidade. Participou de grupos de teatro e de dança.

Em entrevista a Oeste, Ramuth critica posturas do governo federal, inclusive a recusa em definir o Hamas como terrorista. Fala também sobre greves e planos do governo para as próximas eleições.

Quais as diferenças que o senhor tem percebido entre exercer o cargo de vice-governador e o de prefeito de uma cidade no interior paulista?

As coisas acontecem nas cidades de fato, né? Isso vai mudando a cada nível, estadual e federal. É uma das características que percebi. Não digo que é positivo ou negativo, mas que é diferente. Você vai se afastando cada vez mais do dia a dia das pessoas.

Como o senhor tem lidado com essa situação?

Aí você tem que ter muita consciência social, para se manter próximo das cidades, das pessoas, para não perder essa sensibilidade. Quando há algum problema, procuro ir lá visitar, estar perto. Sou assim, porque ainda sou meio prefeito, meio vice-governador. Além disso, existem os protocolos, essas coisas que, na cidade, apesar de São José ser uma cidade grande, são menos comuns. Há protocolos de segurança, de eventos. Eram situações que a gente não convivia antes.

Quero deixar claro antes que não foi uma aliança de última hora. Nas últimas eleições, Tarcísio foi o primeiro candidato a governador de São Paulo a anunciar o vice. Pode ver o histórico. Haddad (Fernando, do PT) resolveu no final, colocou a mulher do Márcio França (Lúcia França, PSB). O Rodrigo Garcia colocou lá o conhecido dele, Geninho (Zuliani, do União-Brasil). Ter sido dessa maneira permitiu unir os nossos projetos. É uma união que funciona, com sintonia de ideias e de objetivos e não uma união que tem por trás aquele “toma lá dá cá”. A ideia era contribuir para o futuro do Estado de São Paulo com novas propostas. E assim a gente fez.

Quais as expectativas do governo em fazer o maior número de prefeitos no Estado, dentro desta aliança, nas próximas eleições municipais?

O governador está focado em entregar aquilo que prometeu na campanha para a gente prestar o melhor serviço. Não necessariamente a aliança no município precisa ser a mesma do Estado. A tendência, claro, é que se repita em boa parte das cidades. Em São José dos Campos, por exemplo, já está definido que teremos um candidato único, entre o PSD e o Republicanos. Será o atual prefeito, Anderson Freire. Logo quando nos unimos falamos da importância de ter um candidato nosso lá, onde nós dois temos título eleitoral e onde fiz uma história.

Pode-se dizer que o ideal para o governo é ter, nas próximas eleições, entre 70% e 80% dos prefeitos eleitos por meio dessa aliança?

Não quero falar em números, não podemos depender disto. Digo que, quanto maior o número de administrações municipais, que irão reproduzir a aliança que governa o Estado, será melhor, pelo apoio dos prefeitos e das câmaras municipais. Mas aí é mais uma questão, que, primeiro, passa pela esfera municipal, dentro da relação entre o Executivo e o Legislativo das cidades, para depois chegar à esfera estadual.

Quais iniciativas dentro desta aliança que já surtiram efeito?

Cito por exemplo as novas tecnologias para construções habitacionais feitas em São Sebastião (depois das fortes chuvas), em tempo recorde. Estão sendo construídas para ficarem prontas, em seis meses, 517 unidades habitacionais na região, feitas com uma tecnologia inovadora, que inclusive eu como prefeito tinha tido a oportunidade de utilizar lá em São José, no hospital de retaguarda. Este é um exemplo de uma política importante, a qual a gente acrescentou ao plano de governo. A ideia não era usar de forma emergencial como aconteceu logo nos primeiros três meses, mas era poder trazer inovação para o setor de habitação.

Até que ponto essa pressão dos grevistas no setor de transportes (metrô e CPTM) ameaça a política de privatizações proposta pelo governo estadual?

São greves políticas com um único objetivo, ser contra as privatizações. O direito à greve é garantido aos sindicatos desde que esteja atrelado a uma reivindicação, aumento salarial, melhoria das condições de trabalho. Mas infelizmente o sindicato abusa e, descaradamente, descumpre ordens judiciais, que exigiam, nos horários de pico, o funcionamento de 80% do sistema de metrô e CPTM. Um desrespeito à população, que escolheu nas urnas o governador Tarcísio e eu para que a gente leve adiante as pautas de concessões, Parcerias Público-Privadas e privatizações, inclusive a da Sabesp, que já foi aprovada na Assembleia Legislativa. Atos como esse não nos farão mudar de ideia. O governador está determinado a melhorar a prestação de serviços no transporte público na cidade de São Paulo, com grandes investimentos e a operação feita pela iniciativa privada. Vamos em frente.

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Essa questão não pode ter a ver também com as próximas eleições presidenciais, para enfraquecer o governador Tarcísio caso ele decida se candidatar?

Eu nunca vi o Tarcísio perder um minuto sequer da agenda dele focado nessa questão das próximas eleições presidenciais. No momento certo ele vai fazer a leitura do cenário e definir. Então isso não preocupa. 

Como o senhor vê a tentativa de aliança do governo federal com o chamado Centrão, no Congresso?

Nosso presidencialismo é de coalizão. A gente sempre vai buscar esse diálogo. Claro, é a política. Também envolve o uso destes recursos, mas de forma correta. O Executivo funciona melhor com o apoio dos deputados. Mas a gente percebe que o atual governo federal deu muitas demonstrações de fraqueza política. Lembro que iniciei na política quando teve o plebiscito parlamentarismo, presidencialismo ou monarquia, em 1993. O marceneiro que estava na minha loja, eu estava no balcão, me perguntou em qual regime eu ia votar. Eu não sabia o que era ou outro, não era muito ligado à política. A partir de então me  interessei e ingressei nesta atividade. Ajudei a eleger um prefeito, depois outro. Agora, digo: votei no parlamentarismo e acho que se tivéssemos vencido naquela ocasião o país estaria muito melhor.

São Paulo, como o maior Estado do país, tem sido um contraponto a muitas das políticas do governo federal. Como é o relacionamento entre o governo estadual e o federal?

O posicionamento tem que ser para as pessoas jurídicas e não para as pessoas físicas. Não é um bom exemplo, até para os jovens que querem entrar na política, fazer política com xingamentos. Não é o meu estilo, nem o do governador Tarcísio. Vamos ter visões contrárias, mas o respeito e o diálogo são fundamentais para continuarmos fazendo com que o Estado de São Paulo seja a grande locomotiva do Brasil e, ao mesmo tempo, que possamos ver o Brasil contribuindo também para o Estado de São Paulo.

Que tipo de dificuldades o governo estadual tem enfrentado com as diferenças de visão em relação ao governo federal?

Temos utilizado aquela velha história: vão-se os anéis, ficam os dedos. No porto de Santos, por exemplo, o governador Tarcísio, quando era ministro da Infraestrutura (2019-2022), preparou todo o projeto de privatização. O governo do Lula entrou e cancelou. Agora, o que nós estamos querendo salvar do plano inicial é o projeto do túnel, a travessia Santos-Guarujá, com os governos federal e estadual colocando dinheiro. Talvez a gente consiga chegar a um acordo. Há outros pontos divergentes, procuramos preservar o diálogo, mas sempre vamos nos posicionar.

Quais as maiores críticas que o senhor tem em relação ao atual governo federal?

Percebo, do atual governo federal, um olhar no retrovisor, para trás. Infelizmente o Lula no poder é o mesmo Lula de anos atrás. Pouco evoluiu e ainda ganhou uma dose de revanchismo. Ele está procurando se vingar de pessoas que ao longo dos últimos anos foram contrários a ele. Não está respeitando o direito democrático de você ser a favor ou contra. Não é uma visão de futuro, de inovação, de desenvolvimento.

Qual a sua opinião a respeito da posição do governo federal na guerra entre Israel e Hamas?

O governo federal tem uma posição totalmente equivocada, primeiro por não reconhecer o Hamas como grupo terrorista. Segundo, por ter compromissos políticos com a esquerda, faz um discurso dúbio em relação à atuação de Israel nesse momento de reação às ações do Hamas. A avaliação é sempre colocando no mesmo patamar as forças terroristas e as de Israel, é um grande equívoco. Do lado de Israel, temos todas as leis internacionais seguidas, ao lado do Hamas a gente sabe como eles atuam. Aliás, estão lá com nossos reféns e ninguém se manifesta a respeito disso.

Essa onda de antissemitismo o preocupa mais como cidadão ou como político?

Neste caso, o homem de religião judaica está antes do político. É uma questão assustadora, da humanidade. A guerra na Faixa de Gaza disparou o gatilho do antissemitismo no mundo, que transforma o antissemitismo que já era latente, escondido, sórdido, em antissemitismo evidente. Agora de fato é o momento de reforçarmos a habilidade do povo judeu de ter a sua identidade particular, a nossa identidade e ao mesmo tempo o nosso compromisso com o futuro da humanidade.

Como foi sua relação com o judaísmo desde a infância?

Estudei até o colegial (Ensino Médio) no Bialik, com bolsa — eu e um dos meus irmãos. Minha família não tinha condições financeiras. Por isso, hoje apoio projetos de bolsa. Fiz bar-mitzvá (cerimônia de maioridade religiosa) coletivo na Hebraica. A festa foi no Playcenter, levei 30 amigos, foi inesquecível. Na infância e juventude, fiz dança israeli, teatro, frequentei a Hebraica, movimentos juvenis como a Chazit, fiz amigos para a vida e conheci os valores que carreguei em minhas atividades. Aprendi o respeito à ética, ao meu semelhante, nunca deixei de lado essa essência.

De que maneira a religião judaica influenciou na sua atuação política?

Nunca escondi minha origem judaica. Ela sempre foi um norte para mim dentro da política, para que eu pudesse contribuir com a educação e os ensinamentos que moldaram minha identidade. O judaísmo é plural e isso combina com a política. No judaísmo, outro ponto importante é o bom humor. Busco levar a vida com leveza e bom humor.

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Fonte: R7 – Política

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