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terça-feira, maio 6, 2025

Violência digital de gênero é a nova fronteira da luta pelos direitos das mulheres

Em entrevista exclusiva ao Poder no Quadrado, o advogado Renato Rocha, fundador do Instituto Mulheres em Ação, alerta: o ambiente digital tornou-se o novo território de violação de direitos das mulheres. Para ele, é urgente que o Brasil reaja com firmeza diante do avanço da violência de gênero nas redes sociais. “Se o mundo mudou e a violência ganhou novas formas, nossa resposta jurídica e social também precisa evoluir”, afirma.

A proposta da OEA destaca a necessidade urgente de responsabilizar agressores e plataformas digitais por ataques virtuais a mulheres. Para Rocha, o país precisa assumir um papel de liderança e agir com coragem para proteger mulheres e meninas no ambiente virtual.

Na semana em que o Brasil contribuiu com propostas para o Projeto de Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Digital de Gênero, promovido pela Organização dos Estados Americanos, o debate sobre os ataques virtuais contra mulheres ganhou fôlego, dentro e fora do país.

A proposta, construída com a participação de entidades como a OAB, ONU Mulheres, Ministério das Mulheres e organizações da sociedade civil, defende a responsabilização de agressores e plataformas, a remoção rápida de conteúdos nocivos e a reparação integral às vítimas, principalmente aquelas em situação de múltiplas vulnerabilidades.

Renato Rocha, advogado e fundador do Instituto Mulheres em Ação, é uma das vozes que vêm chamando atenção para esse fenômeno crescente. Nesta entrevista, ele fala sobre os riscos da impunidade, os avanços possíveis e o papel do Brasil nesse novo capítulo da luta pelos direitos das mulheres.

O que caracteriza a violência digital de gênero e por que ela exige atenção específica do sistema de justiça?

A violência digital de gênero é a continuação da misoginia por outros meios. Acontece quando tecnologias, redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de vídeo são usados para assediar, intimidar, silenciar ou destruir a imagem de uma mulher. O problema se agrava ainda mais quando atinge meninas, adolescentes, mulheres negras, indígenas, periféricas ou LGBTQIA+, que enfrentam múltiplas camadas de vulnerabilidade. Essas vítimas estão mais expostas e menos protegidas, exigindo do sistema de justiça uma abordagem interseccional e humanizada.

A OAB propôs diretrizes para uma lei modelo interamericana. O que o senhor considera mais urgente no Brasil?

O documento da OAB, que propõe a responsabilização civil de plataformas e o aumento das indenizações quando há racismo, violência sexual ou quando a vítima é menor de idade, representa um avanço significativo. No Brasil, ainda faltam agilidade na remoção de conteúdos, canais eficazes de denúncia e responsabilização objetiva das plataformas. Elas controlam os algoritmos, mas frequentemente se escondem sob o discurso da neutralidade tecnológica. Isso precisa mudar.

Como as plataformas devem ser responsabilizadas, na sua visão?

Com regras claras. Se a vítima notifica a empresa e o conteúdo não é retirado em 24 ou 48 horas, isso deve gerar responsabilidade civil objetiva. Não é aceitável que uma mulher tenha sua intimidade exposta e precise de uma liminar judicial para proteger sua dignidade. As plataformas devem adotar medidas preventivas, treinar suas equipes e investir em moderação humana com perspectiva de gênero.

O senhor também fala da importância de reparar a vítima. O que isso significa na prática?

Reparar a vítima é garantir justiça além da indenização. É oferecer suporte psicológico, acolhimento jurídico e canais de denúncia acessíveis. Também significa evitar que a mulher, ao buscar ajuda, reviva a dor ou encontre obstáculos institucionais que a silenciem novamente. Quando há sobreposição de vulnerabilidades, como racismo, pobreza ou idade, o dano é ainda maior, e a resposta do Estado e das plataformas deve ser proporcional.

Como o Instituto Mulheres em Ação tem atuado frente a esses desafios?

Atuamos em três frentes: acolhimento de mulheres vítimas de violência, formação cidadã e incidência institucional. Temos dialogado com especialistas, parlamentares e organizações para propor uma legislação que enfrente a realidade das redes sociais como espaço de violência. Também promovemos rodas de conversa, cursos e campanhas educativas, pois o conhecimento é uma ferramenta de empoderamento, e muitas mulheres sequer sabem que estão sendo vítimas de crimes.

O senhor vê avanços no enfrentamento à violência política de gênero, especialmente no ambiente digital?

O debate está avançando, mas ainda de forma tímida. Mulheres que ocupam cargos públicos, lideranças comunitárias e defensoras de direitos humanos enfrentam campanhas de ódio, ameaças, deepfakes e difamação. Isso desestimula sua atuação política e social. É essencial impedir que o ambiente digital reproduza ou amplifique a exclusão histórica das mulheres dos espaços de decisão e influência.

E qual deve ser o papel do Brasil nesse processo internacional que está sendo discutido?

O Brasil tem a oportunidade de liderar esse processo. Somos signatários da Convenção de Belém do Pará, temos instituições atuantes e uma sociedade civil mobilizada. Podemos criar uma legislação robusta, alinhada à proposta da OEA, e nos tornar referência para outros países. Mas isso exige vontade política, coragem e compromisso com a justiça social.

Se o mundo mudou e a violência ganhou novas formas, nossa resposta jurídica e social também precisa evoluir. A dignidade das mulheres não é moeda de troca para algoritmos. É um direito que precisa ser garantido, inclusive no ambiente virtual.

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