O resto do Brasil adora falar mal de São Paulo e, é preciso admitir, às vezes fica complicado defender esta terra.
A cidade, que completa 470 anos nos próximo dia 25, retoma este ano uma tradição da sua festa de aniversário: o bolo gigante do Bixiga, que estava suspenso desde 2021.
Em tese, é um bolo que tem um metro para cada ano da idade de São Paulo. Presume-se, portanto, que ele tenha 470 metros este ano. Não se sabe se um agrimensor foi contratado para aferir o comprimento da coisa.
Como não existe forno grande o bastante para assar um bolo assim, você já deve ter deduzido que se trata de vários bolos alinhados sobre um conjunto de mesas dispostas na rua.
Nos anos 1990, a diversão do 25 de janeiro era ligar a TV no telejornal da hora do almoço para assistir aos “parabéns” no Bixiga.
Exatamente ao meio-dia, o bolo era liberado para a multidão que se aglomerava ao longo da mesa gigante. Moradores do bairro, pessoas em situação de rua, curiosos e gente que baixava no Bixiga para tocar o terror.
Munida de sacolas de feira, a massa humana se atirava sobre a massa do bolo. Varria a mesa com os braços, empurrando para a sacola a maior quantidade possível de comida.
Pombos e cães vira-latas se encarregavam das migalhas. O bolo gigantesco virava lembrança em segundos.
Um colega de profissão, hoje respeitável empresário da comunicação, foi acompanhar a festa no Bixiga quando era um jovem repórter. Chegou poucos minutos atrasado e não sentiu nem o cheiro do bolo.
Ele voltou para a redação e inventou tudo da própria cabeça: o avanço da turba, o suíço da comida, a dona-de-casa que garantiu a alimentação da família para o resto da semana.
Conduta lamentável do colega, mas a real é que tanto fazia. O dia do bolo sempre transcorria do mesmo jeito.
Até que um incidente interrompeu por nove anos o ritual. O programa Pânico na TV, a pretexto de cobrir o bolo (fazer cobertura jornalística, não de chantili), iniciou uma guerra de comida na comemoração de 2008.
Voou bolo da avenida Paulista ao Anhangabaú, e a imagem da festa do Bixiga saiu lambuzada.
Em que pese a inegável escrotice do pessoal do Pânico, verdade seja dita: o bolo do Bixiga nunca precisou deles para sabotar a própria reputação.
Sem guerra de comida, o ataque dos bárbaros já produzia cenas dantescas –que geravam prazer sádico e remorso em quem via pela TV.
A megalomania culinária, por evidente, não é atributo exclusivo dos paulistanos.
No fim do ano passado, foi organizada em Vitória (ES) uma festa para bater o recorde da maior moqueca capixaba do mundo –algo um pouco engraçado, já que só no Espírito Santo alguém pensaria em algo do tipo.
A marca atual é de 600 quilos de peixe com coentro. Pretendia-se superá-la com uma tonelada de comida numa panela de barro de 1,5 metro de diâmetro.
Acabaram quebrando a panela, não o recorde, e a moqueca gorou.
Repercuti o episódio com alguns capixabas. Todos disseram-se aliviados com o fracasso da moqueca gigante.
“Comida feita nessa quantidade não tem como ser boa”, falou um deles. Sério mesmo? Será que o povo do bolo paulistano sabe disso?