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quarta-feira, dezembro 25, 2024

Crise climática pode elevar domínio do café do Brasil, diz Andrea Illy à Folha

O Brasil é o país mais preparado para enfrentar as mudanças climáticas e pode aumentar ainda mais seu domínio na cafeicultura mundial, diz em entrevista exclusiva ao Café na Prensa Andrea Illy, presidente global da italiana Illycaffè, uma das mais tradicionais empresas de café do mundo.

A crise do clima afetará fortemente o cultivo de café, uma vez que a planta depende de condições muito específicas, como temperaturas amenas e sem grandes oscilações. Eventos extremos, como geadas, secas ou chuvas em excesso –que devem se intensificar como consequência do aumento da temperatura do planeta– também são ameaças perigosas para a cafeicultura.

Com isso, estima-se que até 50% das áreas atualmente cultiváveis –não efetivamente cultivadas, mas que têm clima propício para o cultivo de café– serão perdidas por causa da mudança climática.

O Brasil, contudo, é o país com maior capacidade de enfrentar essas mudanças, segundo Illy. De seu escritório, na sede da empresa, em Trieste, no nordeste da Itália, a 150 km de Veneza, o neto de Francesco Illy, um dos pioneiros do espresso, explica o porquê de acreditar que o Brasil concentrará ainda mais a produção mundial de café em decorrência do aquecimento global.

“O Brasil tem muitas vantagens em relação a outros países. Tem uma estabilidade climática maior. Tem diversas áreas de produção para onde se pode migrar, caso uma área se torne mais quente ou mais seca. Tem uma alta produtividade. E tem bastante recursos financeiros para investir na adaptação climática”, diz Illy em português fluente e sotaque italiano.

“Pode ser um problema temporário para toda a indústria do café, pode ser um problema permanente para algum produtor especificamente, mas, em geral, o Brasil é o país mais avantajado e que vai concentrar mais e mais a produção mundial. Agora o Brasil conta, eu acho, com 40% mais ou menos da produção mundial do café. No futuro, poderia crescer acima de 50%, porque os outros países são mais impactados pela mudança climática e menos capazes de se adaptar”, explica.

Uma das grandes apostas da cafeicultura para lidar com as mudanças climáticas é a agricultura regenerativa. Para os produtores, é vantajoso porque deixa a plantação mais apta a enfrentar os eventos climáticos extremos. E, para as multinacionais que compram esses grãos, é um dos grandes aliados para que consigam alcançar suas metas de redução de emissão de gás carbônico.

O termo agricultura regenerativa existe há algumas décadas, mas apenas poucos anos atrás começou a aparecer com maior frequência. Virou uma espécie de mantra das grandes empresas que tentam vocalizar um discurso sustentável. A expressão passou a ser onipresente em relatórios de ESG (Governança ambiental, social e corporativa, da sigla em inglês), rótulos e falas de executivos.

De modo geral, a agricultura regenerativa é baseada em práticas de conservação e regeneração do solo, da água e da biodiversidade, a fim de emitir menos gás carbônico do que as técnicas consideradas tradicionais.

O termo, contudo, ainda carece de definição precisa, e essa abstração é alvo de críticas por alguns especialistas. Como não há uma regulamentação, dizem, fica inviável fiscalizar se determinada empresa realmente está adquirindo café oriundo de agricultura regenerativa.

Tal qual gigantes como Nestlé, a Illy também tem apostado há alguns anos na cafeicultura regenerativa. Isso culminou com o lançamento mundial, no fim de 2023, do Arabica Selection Brasile, feito com grãos cultivados por meio de práticas regenerativas no Cerrado Mineiro.

Segundo Andrea, a adoção de técnicas regenerativas tem reduzido os custos dos agricultores sem comprometer a produtividade. Ele diz que é possível economizar, por exemplo, com fertilizantes, uma vez que o composto produzido na fazenda custa menos que fertilizantes químicos. Além disso, afirma, as plantações regenerativas consomem cerca de 30% menos água.

Ele cita ainda como vantagens a capacidade de adaptabilidade às intempéries climáticas e a aderência a normas de compliance para mercados consumidores como a União Europeia. Após fazer uma defesa apaixonada da técnica, ele resume: “Tem tantas vantagens que parece um sonho essa agricultura regenerativa”.

Questionado sobre como vê a cafeicultura mundial daqui a dez anos, ele se mostra otimista. Afirma crer no aumento de qualidade e na melhoria nos padrões socioambientais, inclusive com maiores aportes financeiros dos ricos países consumidores nas nações produtoras, em geral mais pobres.

“Se esses investimentos vão aumentar, a cafeicultura vai se tornar mais positiva também do ponto de vista de sustentabilidade social. Com mais recursos, melhores condições de vida para os produtores e uma maior educação”, diz.


RAIO X

Andrea Illy, 59

Andrea Illy nasceu em 2 de setembro de 1964 em Trieste, filho de Ernesto e neto de Francesco, fundador da Illy. Formou-se em química pela Universidade de Trieste. Em 1990, ingressou na illycaffè como supervisor do departamento de controle de qualidade. Em 1994 foi nomeado CEO da illycaffè S.p.A. e ocupou esse cargo até 2016. É presidente da empresa desde 2005.

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Fonte: Folha de S.Paulo – Gastronomia

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