MICHELE OLIVEIRA
MILÃO, ITÁLIA (FOLHAPRESS)
“Quem fala de aquecimento global é o mesmo que quer vacinação obrigatória.” A frase, escrita em italiano com letras maiúsculas, está num cartaz afixado em uma rua tranquila de Milão, assinado por um grupo investigado na Itália por espalhar teorias conspiratórias sobre a vacina contra a Covid-19. Amenizada a pandemia, sobrou como alvo a emergência climática.
A mensagem ilustra como a crise do clima e as medidas de mitigação entraram para o repertório de extremistas, incluindo forças políticas em crescimento na União Europeia. Com nuances diversas de negacionismo ambiental, partidos conservadores e da ultradireita podem ganhar espaço no Parlamento Europeu após as eleições de junho, quando serão definidos os 720 representantes dos 27 países.
O resultado teria como consequência o enfraquecimento da ambiciosa agenda de ação climática proposta pela Comissão Europeia, braço executivo do bloco.
Comandada por Ursula Von der Leyen, cotada para um segundo mandato, a comissão apresentou em 2019 o Green Deal, plano que tem como meta reduzir as emissões de gases com efeito estufa em 55% até 2030 e atingir zero emissões líquidas até 2050. Desde então, uma série de peças legislativas foram aprovadas para adaptar setores da economia e a vida da população.
Há cinco anos, no entanto, o mundo era outro. Depois da “onda verde” que marcou a eleição europeia de 2019, em que partidos defensores da causa ambiental ganharam espaço no Parlamento e ficaram fortalecidos na Alemanha e na França, vieram a pandemia, a Guerra da Ucrânia e a alta da inflação. Ao mesmo tempo em que Bruxelas progredia em suas propostas, aumentavam os questionamentos aos efeitos da transição verde.
A maioria dos europeus se diz preocupada com as mudanças climáticas, com percentuais que variam entre 82% na Itália e 66% na Alemanha, de acordo com levantamento do YouGov de agosto. Mas as convicções diminuem diante de eventuais medidas como adaptar a casa para mais eficiência energética com os próprios recursos ou aceitar a proibição da produção de carros movidos a combustíveis fósseis.
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“Os cidadãos têm medo dos custos da transição ecológica e algumas forças políticas estão alavancando essas preocupações para obter mais apoio”, diz Francesca Bellisai, analista de políticas europeias do think tank ECCO, especializado em mudança climática.
Uma amostra do sentimento de parte dos europeus é o movimento de agricultores na Alemanha, que na última semana parou ruas de diversas cidades com tratores, em protesto contra planos do governo de cortar subsídios ao diesel e benefícios fiscais para veículos agrícolas. Vários dos tratores exibiam faixas com o logotipo do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que usou cenas das manifestações em suas redes sociais para atacar a coalizão do primeiro-ministro Olaf Scholz.
No ano passado, o AfD militou contra a legislação que impõe mudanças no aquecimento a gás e óleo das casas, substituído por fonte de energia renovável. Em setembro, o governo se viu obrigado a enfraquecer o projeto de lei para que o texto fosse aprovado.
Em segundo lugar nas pesquisas, com mais de 20% das intenções de voto, a AfD, além do discurso contra a imigração e contra a vacina, é negacionista em questões ambientais. O partido defende que não há prova científica de que as mudanças climáticas são causadas pela interferência humana e, portanto, não vê sentido nas medidas pensadas para barrar a crise do clima. Na pesquisa YouGov, os alemães (62%) são os que menos concordam que o clima está mudando como resultado da atividade humana.
Na Holanda, que também passou por protestos de agricultores, a vitória de Geert Wilders, com 23%, é outro sinal de alerta para as eleições de junho. Ele e seu Partido pela Liberdade (PVV), de ultradireita, são negacionistas. A sigla afirma que o clima está sempre mudando ao longo dos séculos e que não é preciso ter medo nem “histeria” para reduzir as emissões de gás carbônico.
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Na França, o Reunião Nacional, de Marine Le Pen, procura atualizar seu discurso sobre o tema. O partido se diz preocupado com a crise do clima e afirmou ser um erro político apostar no negacionismo. Suas propostas, no entanto, são contra “a ecologia punitiva” e se apoiam em protecionismo comercial e defesa da preferência nacional. A legenda lidera as pesquisas para a eleição de junho, com quase 30%.
Para a analista Bellisai, essa é uma estratégia que acaba tendo resultados semelhantes ao negacionismo puro. “Esse abrandamento tende a manter o status quo e o fornecimento de combustíveis fósseis por muitas décadas, o que também vai contra ao que diz a ciência”, afirma.
As siglas na Alemanha, na Holanda e na França integram o mesmo grupo político no Parlamento Europeu, o Identidade e Democracia (ID). Segundo pesquisas, é aquele que mais deve crescer nas eleições, com 20 assentos a mais que em 2019, tornando-se a terceira maior bancada da Casa -as duas primeiras devem continuar sendo o Partido Popular Europeu, de centro-direita, e os socialistas, de centro-esquerda.
Outro que deve abocanhar mais espaço é o grupo dos Conservadores e Reformistas (ECR), liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni, de ultradireita. Assim como na política externa, a italiana vem tratando a questão climática com pragmatismo, dentro do que chama de “ambientalismo não ideológico”.
“Para além da retórica, o governo Meloni tem investido na energia renovável. Poderia fazer mais, mas não está ignorando o problema”, avalia Bellisai.
Seu grupo no Parlamento Europeu, no entanto, quase sempre votou contra as legislações sobre o clima, assim como o Identidade e Democracia. Segundo análise realizada pelo ECCO, em 25 votações relacionadas ao clima nos últimos dois anos, o ECR votou contra 20 vezes, enquanto o ID, 18.
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Em um cenário em que partidos céticos e negacionistas podem conquistar mais espaço, é esperado que o avanço das políticas climáticas da UE encontre mais resistência, justamente em um momento crucial para cumprir compromissos como os do Acordo de Paris.
“Os riscos são que algumas legislações da UE sejam esvaziadas de força normativa, que os objetivos de 2030 não sejam atingidos e que a UE perca seu papel de líder nas negociações sobre o clima”, diz Bellisai.
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