As justiças estadual e federal avaliam três ações civis públicas contra o Complexo Termelétrico de Macaé, no norte do Rio de Janeiro, interpostas pelo Instituto Internacional Arayara a partir de outubro de 2022. Uma quarta ação deve ser impetrada até o final de fevereiro.
Em síntese, as ACPs denunciam diversas irregularidades no processo de licenciamento das usinas e gasodutos, incluindo ausência de estudos fundamentais que, aponta a entidade, mostrariam a insustentabilidade do conjunto de empreendimentos, devido ao grave risco de desabastecimento de água, poluição atmosférica e violação de direitos de povos tradicionais.
O coordenador de Advocacy da Arayara, Ivens Drumond, ressalta que, nos processos de licenciamento federal, o próprio Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) reconhece que não vai haver água suficiente no rio Macaé para abastecer duas das usinas que se quer construir. Em nota técnica, técnicos da autarquia afirmam que “entendemos ser necessária realizar avaliação prévia que considere a capacidade de suporte da bacia aérea do município de Macaé, e a capacidade hídrica do rio Macaé de maneira a resguardar a qualidade ambiental no município”.
O Ibama, complementa Ivens Drumond, também alega ser necessário uma avaliação ambiental estratégica em relação à qualidade do ar. “A bacia aérea já está saturada, a qualidade do ar na região está no limite que as normas nacionais permitem, e que já estão defasadas em relação à Organização Mundial de Saúde. Agora imagina instalar mais onze usinas!”, alerta o coordenador de Advocacy.
“Nós queremos que suspendam as licenças concedidas e não concedam outorga de uso da água até que esses estudos sejam realizados. A gente precisa da avaliação ambiental estratégica, que avalia a sinergia, a cumulatividade dos impactos. Ou seja, cada térmica solta tanto de poluição e consome tanto de água precisa somar das onze. De um universo de 17 empreendimentos, só avaliaram quatro empreendimentos e não se sabe se foi feita a sinergia”, explica.
Entre os pedidos feitos nas ACPs estão Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), a atualização do plano e do estudo de disponibilidade hídrica da Bacia Hidrográfica do Rio Macaé e o inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE). É a AAE que analisa os efeitos cumulativos e sinérgicos de todos os empreendimentos na mesma Bacia Hidrográfica, diferente do que é feito no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que classifica de forma separada os danos causados pelo conjunto do empreendimento.
“Somente após a realização destes estudos será possível avaliar os reais impactos à saúde da população e ao meio ambiente de forma adequada. Qualquer licença concedida antes de tais estudos é precipitada”, ratifica.
17 empreendimentos
O Complexo Termelétrico de Macaé neste contexto é composto por 17 empreendimentos, sendo 11 termelétricas, uma unidade de processamento de gás natural e seus gasodutos, a ampliação da Unidade da Petrobras em Cabiúnas, duas linhas de transmissão, um gasoduto e o Terminal Portuário (TERPOR). Destes empreendimentos, oito termelétricas estão em licenciamento pelo Ibama e nove empreendimentos estão sob responsabilidade do Inea.
Quatro ações
A primeira foi Ação Civil Pública contra o Complexo Termelétrico de Macaé foi movida pelo Arayara em novembro passado na Justiça Federal em relação a algumas das usinas termelétricas previstas, devido a “uma série de questionamentos técnicos e jurídicos que inviabilizam a instalação e a atividade desses empreendimentos, devido às graves questões socioambientais e de engenharia”, sublinha a entidade.
A segunda ação, em dezembro, também foi na vara federal, pois, apesar de estarem tramitando no Instituto Estadual do Ambiente (Inea), houve uma alteração do porte dos projetos, o que, no entendimento do Arayara, transfere a competência do licenciamento para o Ibama. “No meio do processo, foi pedida alteração da potência das usinas Marlim Azul. Inicialmente, seriam três usinas com capacidade de 166MW cada uma, mas depois pediram o aumento para 600MW”, explica Ivens.
Neste mês de janeiro, foi protocolada a terceira ACP, na Justiça estadual, relativa aos sete gasodutos projetados para abastecer a unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Porto de Açu, no município de São João da Barra, também no norte fluminense. A principal reivindicação é a alteração dos traçados dos gasodutos, que estão previstos para passar dentro da represa Maricota, que é o principal manancial de abastecimento humano de Carapebus. Foi a própria Secretaria de Meio Ambiente do município, inclusive, que solicitou essa alteração junto ao Inea.
Uma quarta ACP está sendo elaborada com previsão de judicialização, novamente na Justiça Federal, até o final do próximo mês de fevereiro. Nesse caso, o foco é a proteção dos direitos das comunidades quilombolas afetadas pelos gasodutos. “Eles irão passar por oito quilombos, sendo que somente um foi ouvido, no nosso entendimento, então a empresa não cumpriu a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]”, destaca o coordenador de Advocacy, referindo-se à normativa internacional, ratificada pelo Brasil, que estabelece a obrigatoriedade de empreendimentos públicos e privados realizaram a “consulta prévia, livre, informada e de boa” junto a povos e comunidades tradicionais que venham a ser impactados pelas obras e atividades. Para essa ação, o Arayara está dialogando com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Fundação Palmares, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Sobre as duas primeiras ACPs, o juiz substituto da 1ª Vara Federal de Macaé, Danilo Dias Vasconcelos de Almeida, já declarou que quer ouvir as partes envolvidas antes de se manifestar sobre conceder ou não as liminares solicitadas. “Ele ainda não definiu datas para as audiências, mas nossa expectativa é boa, porque em uma semana ele despachou sobre o caso”, comenta Ivens Drumond.
Metas climáticas
Além de todos os impactos locais denunciados nas ações, há ainda reflexos negativos sobre o clima. “O Brasil, que é signatário dos compromissos climáticos globais, para cumprir suas metas assumidas e já ratificadas pelo Congresso Nacional tem um enorme desafio em reduzir suas emissões e em acelerar a transição energética, saindo de uma matriz fóssil (gás natural, carvão mineral e óleo) que é uma das grandes responsáveis por essas emissões. Estas fontes de energia ainda são responsáveis pelo aumento dos custos energéticos domésticos e industriais do Brasil, trazendo inflação e reduzindo a competitividade do país no cenário internacional”, afirma Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Arayara.
Fernanda Couzemenco
Jornalista ambiental