O futebol não é física quântica. Nem um exercício de mecatrônica. Mas há quem insista em enxergar o universo da bola por um prisma repleto somente de números, estratagemas e teoremas, colocando em último plano o fator mais presente no mundo desse esporte: o imponderável. Ele mesmo, o imprevisível.
+ “A gente tem que respeitar todo mundo, mas também jogar”, afirma Pintado
Já escrevi inúmeras vezes nesse mesmo espaço sobre o acerto da montagem desse elenco. Cheguei a cravar em letras maiúsculas que tínhamos um time e não mudei vírgula alguma nos momentos mais sombrios dessa primeira fase do Paulista de 2024.
Gênio? Não, longe disso. Adivinho? Também não. O que me levava a crer nesse elenco – e ainda me mantém em igual condição – é o planejamento. Torcida da Portuguesa, a Lusa renasceu graças a um pensamento de longo prazo.
Podemos aqui investir linhas explicando, explicando, teorizando, imaginando, mas no fim das contas o que trouxe a Portuguesa novamente à Série D, a manteve na primeira divisão do Paulista e a classificou foi o simples ato de planejar. Sim, simples, mas de difícil execução, quando você tem um clube mergulhado em dívidas, com milhares de papagaios espalhados por aí, com receita pequena e pressão.
Pressão essa que vitimou a antiga diretoria de futebol. José Roberto Cordeiro, ex-vice-presidente do departamento, e Edgard Montemor, ex-gerente de futebol precisam ser lembrados. Goste-se ou não. É questão de justiça.
As questões envolvendo a saída de ambos foram, a meu ver, até justas. Não dá para trocar sopapos na arquibancada e achar que tudo vai ficar igual, como não dá para demitir um e outro ficar no cargo. Portanto, o presidente Antônio Carlos Castanheira não tinha outro caminho que não fosse a demissão.
Mas o trabalho de ambos foi bom. Precisa-se frisar. Porque parece que as coisas aconteceram do nada. E não foi assim.
Outro ponto. Dado Cavalcanti. O ex-treinador da Lusa contribuiu de maneira importante na montagem do elenco. Pode-se discordar do esquema de jogo – eu mesmo era um que pensava diferente do treinador –, mas ele cumpriu papel importante.
Dito tudo isso, é hora de abraçar o Pintado. Gosto de gente como Pintado. Primeiro, porque não tem vergonha alguma em sacar as fraquezas de um elenco e exaltar aquilo que há de positivo.
Não hesitou em escalar três zagueiros. Um acerto. A defesa rubro-verde não conseguia se defender com dois jogadores apenas. Não titubeou em ressuscitar Tauã, que não é craque, mas “morde” o jogo todo. E isso tem um valor danado em sistemas defensivos. Não virou às costas à base, colocando o garoto Talles na lateral-direita, dando vez a Paraizo e apostando em Maceió.
Agora, tudo parece óbvio. Fácil até. Mas só ele ali na solidão do banco de reservas sabe muito bem a pressão das escolhas.
Então, já estamos na final? Claro que não. A euforia tem lugar: arquibancada. Está, e deve permanecer, ali. Só no cimento do Estádio Dr. Oswaldo Teixeira Duarte. A quem comanda, a euforia nem deve subir as escadas da sala da presidência.
Portanto, se a Portuguesa quiser avançar no certame, é preciso se movimentar no tabuleiro da política da bola. É visitar a Federação Paulista de Futebol, é conversar com a imprensa, é abrir o clube, é antecipar movimentos.
O Santos está ferido. Tem cicatrizes profundas, depois que caiu pela primeira vez na história para Série B do Campeonato Brasileiro. E mesmo não jogando bem nessas últimas partidas, não se iluda, Portuguesa, a peleja, independentemente do local, será dura. Difícil mesmo. Tanto que o Santos é o favorito.
Agora, se o clube tiver essa dimensão, será possível sonhar. Sonhar com algo que era tão distante, tão distante, que os rubro-verdes nem lembravam mais do cheiro, do sabor e do olhar. É hora de degustar o momento, sem dúvida.
Mas há mais por fazer nesse caminho. É possível, Portuguesa. Só que em boa medida esse sucesso depende de planejamento. Mas em vez de longo prazo, agora é de curto, curtíssimo prazo.
* Maurício Capela é jornalista há 28 anos. Comentarista, já trabalhou em diversos veículos, como RedeTV!, 105 FM, Tropical FM, Veja, Valor, Gazeta Mercantil.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NETLUSA