Ainda é cedo para dizer quais serão os impactos da inteligência artificial nas carreiras em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Stem, na sigla em inglês). É o que diz o canadense David Card, 68, professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, e vencedor do Nobel de Economia em 2021.
A IA seria como “uma criança de cinco anos extremamente brilhante”, que se limita a fazer imitações muito complexas. “Então, se tudo o que você exigir dela é reter e reafirmar fatos de outras maneiras, ela é muito boa.”
No Brasil, a aposta deveria ser no incremento do ensino de matemática e estatística no nível médio, segundo Card. E a IA pode ajudar nesse processo pedagógico. Ele aponta que o avanço da tecnologia demanda cada vez mais cientistas especializados, treinados em ciências de dados e da computação.
Card foi laureado “por suas contribuições à economia do trabalho”, analisando os efeitos do salário mínimo, da imigração e da educação no emprego.
Alguns economistas afirmam que a IA ameaça muito mais as carreiras em Stem do que aquelas que exigem habilidades mais empáticas e criativas. O sr. concorda?
É possível, mas ainda estamos começando a compreender isso. Muitos avanços em IA presumivelmente implicarão uma menor necessidade de programadores e analistas. Mas também de profissionais de campos artísticos, porque a IA pode produzir ilustrações simples e bonitas. Acho um pouco incerto dizer exatamente onde esses efeitos serão sentidos.
É incerto pelo nível atual da IA? – Sim, estamos apenas começando. Quando a internet surgiu, levou muito tempo para nós entendermos [seus efeitos]. Ainda estamos debatendo isso. Não tenho certeza se algum dia entenderemos completamente quais serão as tendências [da IA].
Quais demandas o avanço da IA imporá às carreiras em Stem? – Há uma enorme demanda por cientistas muito especializados, pessoas que têm sólida formação em ciências da computação e modelos de aprendizado de máquina, mas em muitas áreas ainda não é tão claro.
A logística é um exemplo. Talvez [a contribuição da IA para a logística] já tenha atingido seu pico, talvez isso continue a se desenvolver, de modo que alguns empregos sejam substituídos por ela. Mas eu não tenho certeza de que a IA seja realmente boa para demandas criativas.
O que a IA faz, especialmente em grandes modelos de linguagem, é imitar. É uma criança de cinco anos extremamente brilhante. Ela pode reproduzir e fazer frases e parágrafos completos. Mas o que ela está fazendo é essencialmente criar cópias complicadas. Então, se tudo o que você exigir dela é reter e reafirmar fatos de outras maneiras, ela é muito boa.
Como os currículos universitários devem se adaptar ao avanço da IA? – Não sei como funciona no Brasil. Nos Estados Unidos, a última coisa que introduzimos foi ciência de dados e acabou sendo uma escolha muito boa. Isso está criando em muitas universidades uma parcela de estudantes com alguma formação na área. E essas pessoas são bastante procuradas.
É uma espécie de “versão light” de cientistas de dados. Eles entendem todos os detalhes de codificação, design de algoritmos, aprendizado de máquina, como organizar dados e usar softwares mais comuns. Muitos estudantes de ciências sociais fazem alguns cursos de ciência de dados e são mais requisitados.
Muitas expectativas com a IA dizem respeito ao seu potencial para inovação, que também está conectada a habilidades empáticas, mais associadas às humanidades e ciências sociais. Como essas áreas podem contribuir para as carreiras de Stem, e vice-versa?
Nas universidades que conheço, as humanidades estão em apuros, porque tem havido uma queda nas matrículas há muito tempo e agora a maioria das universidades está tentando incentivar os alunos a cursar humanidades. Mas muitos estudantes estão dizendo: “Não consigo um emprego com um diploma em humanidades”.
E quanto às ciências sociais, especificamente? Existe um potencial nesse diálogo? – [O curso de] Economia está indo bem nisso. Em Berkeley, muitos estudantes cursam economia e ciência de dados ou da computação. Acho que a economia é mais quantitativa hoje em dia e combina bem com ciência de dados e da computação.
Antigamente, a economia era particularmente teórica, mas não mais. Agora é bastante empírica, as pessoas fazem muita análise estatística, de causalidade. Muitos doutores [em economia] trabalham no setor de tecnologia. Há também pessoas de outras ciências sociais, mas acho que elas não estão se adaptando tão rapidamente.
Essas interconexões entre as áreas de Stem e as ciências sociais podem ser boas para as economias dos países?
Cada país tem seus pontos fortes. Nos Estados Unidos, acredito que seja a inovação tecnológica. As universidades de elite fazem um bom trabalho na formação. Há oportunidades para a maioria das pessoas. Em outros países, é menos claro para onde isso vai. Muita inovação vem da engenharia. Fazer com que todos tenham um pouco mais de matemática e estatística no ensino médio seria bom.
Em contextos com profundas desigualdades sociais, econômicas e educacionais, como o brasileiro, qual é o potencial das carreiras em Stem para promover o desenvolvimento social e econômico?
Não tenho uma opinião formada sobre isso. No fim das contas, apenas uma pequena parcela da população brasileira acessa as universidades. O que quer que vá melhorar sua produtividade terá que ser muito básico, no nível médio. Talvez um treinamento técnico melhor. Para a maioria dos países, é importante pensar no que se pode obter no ensino médio e técnico, não necessariamente no nível universitário.
Quais são os potenciais que a IA apresenta para o Brasil? – É possível que auxilie no ensino, no desenvolvimento de habilidades matemáticas. Há muitas pesquisas sobre isso agora. Uma máquina com IA pode interagir com outro computador e exibir um diagrama tridimensional, para que você possa ver como ele funciona e interpretá-lo. Presumo que assim a IA será útil na educação.