Stefhanie Piovezan
SÃO PAULO (FOLHAPRESS)
Foi no Hospital Regional de Itanhaém, onde trabalha, localizado na cidade de Itanhaém, na Baixada Santista, que a enfermeira Ailda dos Santos Nascimento, 40, entendeu a importância do protocolo de hipotermia e do monitoramento cerebral para recém-nascidos de alto risco. Primeiro, como profissional da saúde e, em agosto de 2020, como mãe do Nicolas.
O parto foi difícil, o bebê nasceu pálido e não chorou. Ele foi intubado e levado para a UTI neonatal. Lá, teve o corpo resfriado a 33,5°C e teve eletrodos aplicados na cabeça. O monitoramento da atividade cerebral permitiu identificar crises epilépticas imperceptíveis a olho nu e Nicolas recebeu a medicação adequada.
“Como mãe, sou grata porque, se não houvesse o monitoramento, não perceberíamos que meu filho estava tendo uma crise. E, como enfermeira, acho importante porque evita danos neurológicos nas crianças”, diz. Nicolas não teve nenhuma sequela e é um garoto tagarela e esperto, ressalta a mãe.
Casos como o de Nicolas foram reportados em um artigo científico publicado na revista Jama Network Open. O texto aponta que em um conjunto de 872 bebês submetidos à hipotermia com acompanhamento da atividade cerebral, 296 (33,9%) tiveram crises epilépticas. Desses, 213 (71,9%) não manifestaram nenhum sinal clínico, como convulsão, e foram diagnosticados exclusivamente pela variação das ondas cerebrais.
“Quanto maior a carga de crises epilépticas, maior é o risco de lesão cerebral permanente. Se conseguimos detectar, tratamos adequadamente e vamos ter um melhor prognóstico”, afirma Gabriel Variane, diretor médico da UTI Neonatal Neurológica da Santa Casa de São Paulo e primeiro autor do estudo.
A Santa Casa foi pioneira na realização de hipotermia neuroprotetora para crianças com asfixia perinatal. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a falta de oxigenação antes, durante ou após o parto é a terceira principal causa de morte neonatal, representando 23% dos óbitos de recém-nascidos, e figura entre os principais motivos de lesões cerebrais permanentes. No Brasil, a estimativa é de 20 mil casos de asfixia perinatal por ano.
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A lesão no cérebro provocada pela asfixia tem duas fases, explica Maurício Magalhães, chefe da neonatologia da Santa Casa e coautor do estudo. A primeira é a da falta de oxigenação em si. Já a segunda geralmente ocorre entre 6 e 72 horas após a reanimação. Nessa etapa, são liberadas substâncias que matam neurônios, provocando lesões permanentes e afetando o desenvolvimento da criança. A redução na temperatura corporal por 72 horas, seguida por um lento reaquecimento, diminui a dispersão de radicais livres neurotóxicos e, assim, o risco de morte e de sequelas neurológicas graves.
A asfixia também é a principal causa de crises epilépticas no período neonatal, pontua Variane. Mas não é a única situação em que o monitoramento da atividade cerebral é indicado. O acompanhamento também é adotado em caso de movimentos atípicos, infecção do sistema nervoso central, malformações e para prematuros.
“Publicamos a experiência de 872 bebês em protocolo de hipotermia, mas estamos muito próximos de alcançar a marca de 10 mil bebês monitorados, considerando todas as indicações. Hoje, concentramos a maior experiência em monitorização de recém-nascidos do mundo”, afirma Variane.
O número é possível porque, diferentemente do realizado por instituições como a Universidade de Stanford, parceira na pesquisa, o sistema operado pela equipe brasileira reúne informações de vários hospitais. São 47 atualmente, com acompanhamento simultâneo de dezenas de recém-nascidos.
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Os dados são apresentados em tempo real em painéis na sede da PBSF (Protecting Brains and Saving Futures), empresa criada por Variane para ampliar a oferta do monitoramento cerebral. Graças a uma parceria com a Microsoft, também são disponibilizados na nuvem, o que possibilita que os 22 médicos da equipe acompanhem os bebês de qualquer lugar.
Quando eles observam um padrão possivelmente patológico na atividade cerebral, entram em contato com o hospital onde a criança está internada e alertam para a alteração. Além de crises epilépticas, os especialistas analisam o ciclo sono-vigília, associado ao prognóstico do bebê, e a simetria, que permite identificar sangramentos no cérebro.
Caso necessário, a criança recebe anticonvulsivantes e a situação é discutida entre as equipes, em uma consultoria em tempo real. “É uma estratégia que possibilita a homogeneidade do cuidado entre hospitais que têm diferentes quantidades de recursos”, ressalta Variane.
Para Magalhães, que foi professor de Variane e de quase toda a equipe da PBSF, na qual atua como diretor científico, é um projeto de vida. “Começou dentro da Santa Casa de São Paulo, fazendo hipotermia com bolsa de gelo, buscando parcerias. É emocionante.”
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