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quarta-feira, dezembro 25, 2024

Por que ainda não consumimos ingredientes amazônicos no Sudeste?

Em novembro, a multinacional japonesa Ajinomoto, que faturou US$ 10 bilhões em 2022, anunciou
parceria com a empresa paraense Manioca para comercializar e difundir os ingredientes amazônicos Brasil afora.

O negócio, fechado após dois anos de conversas, tem como objetivo turbinar o alcance da Manioca, fundada em 2014, em Belém do Pará.

Essa marca quer viabilizar ingredientes ainda desconhecidos por boa parcela do país, como o tucupi amarelo (usado para fazer tacacá), molho de tucupi preto (de sabor intenso, que pode ser usado para temperar carnes e saladas), farinha de tapioca, feijão-manteiguinha e cumaru, semente conhecida como
a baunilha da Amazônia — por fazer as vezes desse item em sobremesas e drinques.

“Vamos usar nossa força para impulsionar a distribuição deles. A Manioca, que hoje está em pouco mais de 150 pontos de venda, deve chegar a 1.500 até o fim de 2024. Mas, por enquanto, a nossa marca não vai aparecer nos rótulos dos produtos”, diz Normando Filho, diretor executivo da Ajinomoto do Brasil.

A empresária Joanna Martins, sócia da Manioca, se diz animada com a possibilidade de ver seus produtos chegarem a mercados que sua foodtech não conseguia alcançar.

Todos os fornecedores são do Pará, espalhados por 12 municípios, alguns a mais de 1.000 quilômetros de distância da capital, Belém. “A parceria vai acelerar muito nossas ambições. Queremos chegar à casa das pessoas, para que nossos produtos deixem de ser vistos como exóticos.”

Não foi por acaso que a Ajinomoto escolheu os ingredientes amazônicos para o que eles anunciam co-
mo o primeiro investimento da multinacional em uma foodtech fora do Japão —em uma aposta para destravar o potencial desses ingredientes.

Outro bom exemplo é a expedição que a pesquisadora Anna Guasti empreendeu em março de 2022. Financiada pela Misereor —obra episcopal da Igreja Católica da Alemanha, que apoia instituições como o Slow Food—, a entidade colombiana Fucai contratou Guasti para mapear frutas amazônicas que têm potencial de geração de renda para comunidades indígenas.

Depois de se embrenhar na floresta e pernoitar em aldeias, ela voltou para casa com nada menos do que 98 frutas listadas —um inventário que também serve para nós, já que os frutos ocorrem na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru.

Entre suas descobertas estão espécies com nomes e sabores surpreendentes. O feioso zapote, ou sapota-do-solimões, revela uma polpa laranja vibrante, úmida e macia, sem acidez. O pequenino cupuí, ou cupuaçu-silvestre, cabe na palma da mão e tem casca tão dura que precisa ser golpeado para abrir —a
polpa amarela lembra uma banana com notas cítricas.

Tem também o madroño amarillo, de casca sextavada, que os brasileiros chamam de cambucá, e
a rara mano-de-tigre, ou pé de jabuti, cuja casca em forma de gomos esconde a polpa alaranjada e o centro oco.

O umari-vermelho, com alto teor de gordura, é uma espécie de manteiga vegana natural, usada inclusive para passar no pão. O macombo esconde castanhas que, torradas, têm sabor de avelã.

“Até o camu-camu, que custa caro no Sudeste, cresce em arbustos que inundam as bordas dos rios. A variedade é impressionante, mas algumas estão ameaçadas de extinção, porque não há replantio ou
qualquer forma de manejo.”

Chef do restaurante Banzeiro, com matriz em Manaus (AM) e filial em São Paulo (SP), Felipe Schaedler é conhecedor da diversidade dos ingredientes amazônicos —mas só uma parcela mínima entra em
seus cardápios. Culpa, ele diz, das enormes distâncias e da falta de produção em escala.

“Conheci o cupuí em São Gabriel da Cachoeira, que fica a sete dias de barco da capital. Muitas frutas, nem os manauaras conhecem. No Mercado Municipal o que se vê é uma quantidade impressionante de maçã e pera”, diz ele.

Filha de Paulo Martins (1946-2010), fundador do restaurante Lá em Casa, em Belém, considerado o embaixador da cozinha amazônica, Joanna Martins também lida diariamente com os desafios da região —e nem sempre consegue vencê-los.

“Tenho mais de cem ingredientes listados que poderiam virar produtos. Mas, para que cheguem ao mercado, há todo um trabalho de desenvolvimento da cadeia produtiva a ser feito. A gente tem que investir na capacitação. Já contratei até arquiteto para fazer planta de casa de farinha.”

A importância da difusão dos ingredientes amazônicos não é só gastronômica. Para André Noronha, coordenador de projetos da Fundação Certi, que tem como objetivo fomentar o empreendedorismo na bioeconomia, eles ajudam a manter a floresta em pé.

“O segmento de alimentos e bebidas é o mais relevante da Amazônia, onde há mais novidades e as maiores oportunidades em curto prazo. Mas, além de estimular empresas, o caminho para qualificar cadeias produtivas é trazer a indústria e financiadores.”

Aliada à Ajinomoto, Joanna Martins acredita que terá fôlego para investir em pesquisas de mercado e novas estratégias de marketing. Seu alvo não são os chefs de cozinha da alta gastronomia que costumam ser ávidos por novidades, já conhecem esses produtos e estão mais do que conquistados.

“Quero ver nosso molho de tucupi entrar na cozinha do restaurante a quilo e no PF do bar. Se todo mundo já consome shoyu, por que não?”

Fonte: Folha de S.Paulo – Gastronomia

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