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domingo, novembro 24, 2024

Livro ‘Gelo e Gim’ une receitas de drinques e referências cinematográficas

Os olhos do jornalista Daniel de Mesquita Benevides, 59, brilham enquanto ele observa as prateleiras tomadas de garrafas de bebidas por trás do bar. “Me sinto como um garoto. Vejo o bar como se fosse um filme de Almodóvar com toques de uma Hollywood antiga”, diz, sorrindo.

Ele está sentado no balcão do Caledonia Whisky & Co, em Pinheiros, escolhido o melhor bar da capital paulista no último O Melhor de São Paulo, da Folha. Diante dele, o chefe de bar Alison Oliveira completa o show enquanto prepara com esmero um sazerac, drinque oficial de Nova Orleans e personagem central do filme “Druk – Mais uma Rodada“.

“É lúdico. A mise en scène é impressionante”, diz Benevides. Este aspecto recreativo e o olhar romântico estão presentes no estilo usado por ele próprio no recém-lançado “Gelo e Gim – Crônicas sobre drinques, suas receitas, cinema, música, literatura e outras misturas” (Editora Quelônio).

O livro foi construído com base na coluna homônima publicada por ele nesta Folha desde 2020. Os melhores textos publicados no jornal foram selecionados, editados e lapidados em novas versões.

Cada capítulo é um mergulho em uma taça ou copo diferente, com foco em um único drinque, mas cheio de referências a como ele aparece na cultura popular —seja na música ou no cinema, na literatura ou na arte. “É um coquetel. Uma mistura de vários elementos como história e cultura, e a bebida em si às vezes fica em terceiro plano”, explica.

Os textos de Benevides realmente vão além das bebidas. Eles usam os drinques como mote central, mas não em uma abordagem factual sobre seus aspectos históricos ou técnicos. “Não é a história do drinque, mas como ele está presente no inconsciente coletivo. Escrevo sobre o prazer que o coquetel oferece.”

Assim pode-se encontrar textos que falam sobre como diferentes aperitivos aparecem na obra e na vida de personagens como Samuel Beckett, Leonard Cohen, James Joyce, Harold Pinter, Charles Dickens, Ernest Hemingway, Buñuel, Fred Astaire, H.L. Mencken, Cole Porter, Hunther S. Thompson, Oscar Wilde, Dorothy Parker, Aldous Huxley e centenas de outros. O próprio título do livro é uma brincadeira com o filme “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois”, de François Truffaut.

Para encontrar tantas referências, o autor diz que transformou a busca por informações sobre as bebidas em uma “mistura de obsessão e prazer”. “Procuro referências sobre drinques em tudo o que leio, vejo e ouço. Minha vida é uma caça às epifanias.”

Criado em uma casa onde não se bebia muito, o primeiro contato de Benevides com a bebida alcoólica não foi tão romântico. Tomou um porre de cachaça quando era adolescente e teve uma ressaca terrível. Foi somente nos anos 1990 que, fascinado pela literatura, começou a incorporar a ideia da bebida como abordada por alguns dos seus autores preferidos. Um dia, ao pedir um rabo de galo, o barman se ofereceu para fazer um negroni para que ele experimentasse algo diferente. “Fui fisgado”, conta.

A partir dali começou a coleção de referências e pesquisas e a fazer testes com coquetéis diferentes em casa. Com o tempo, o hobby foi ficando mais sério, o que se consolidou de vez com a coluna.

Ao final de cada capítulo do livro há o modo de preparo do drinque descrito, mas a ideia não é que o livro seja uma mera referência de como elaborar os coquetéis abordados. “A receita é secundária”, diz Benevides. A graça está no texto, explica, na forma como tudo é descrito.

Ainda assim, todas as receitas do livro são fruto de muita pesquisa e de testes. “É preciso adaptar receitas internacionais aos insumos que temos aqui. O limão brasileiro é mais azedo do que o americano, por exemplo, então a receita tem que refletir isso.”

As receitas também são importantes por causa do alto preço das bebidas nos bares especializados. O sazerac servido no Caledonia, por exemplo, custa a bagatela de R$ 75. Preparado tradicionalmente com “o melhor conhaque que puder”, açúcar, bitter e absinto (como descrito no livro), na versão do bar paulistano leva uísque de centeio infusionado com frutas, Rémy Martin, bitter peychaud’s, angostura e xarope triple. Fica equilibrado e delicado, com um perfume marcante de anis.

“Parte do apelo da coquetelaria é a sofisticação e a aura de exclusividade”, diz Benevides, justificando a questão dos preços. “A graça do coquetel é o sabor, a variedade, as melhores combinações, mas os bares deveriam ter coquetéis mais baratos.”

A solução para não pagar caro e ter acesso, segundo ele, é seguir as receitas e preparar drinques em casa para economizar. “Caipirinha é um bom drinque barato. Bem feita, pode ser melhor do que qualquer coquetel.”

Além do clássico brasileiro, ele diz que a melhor sugestão de primeiro drinque a se preparar é o dry martini, que pode ser feito com gim dos mais baratos e vermute seco, e pode ficar bom mesmo custando pouco. Outra alternativa é o old fashioned, feito com uma dose de bourbon, um toque de angostura e açúcar. “Em casa, é o que bebo com mais frequência”, diz.

No Caledonia, Oliveira serviu uma versão autoral deste último clássico com um toque de chocolate e de queijo. O bourbon ganhou um toque de óleo de cítricos, bitter de cacau torrado e perfume de grana padano —que traz ao paladar a sensação que se tem ao tomar uma dose de uísque enquanto se come um pedaço de queijo. A harmonização é surpreendente, interessante e já vem pronta no copo.

Este tipo de releitura, Benevides explica, garante uma vida longa a seu trabalho de esmiuçar o que está por trás dos drinques. “A coquetelaria não acaba. Achei que ia parar em cem textos, mas já se foram mais de 200 e tenho pelo menos mais 50 pela frente.”

Fonte: Folha de S.Paulo – Gastronomia

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