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sexta-feira, novembro 22, 2024

DF acolhe e dá dignidade a refugiados indígenas da Venezuela

O Brasil é um refúgio para muitos cidadãos de países que passam por crises sociais, financeiras e políticas. Para muitos, o abrigo encontrado em Brasília, mais precisamente na região do Café sem Troco, em Planaltina, foi crucial para recomeçar o que parecia impossível. É o caso das 46 famílias de refugiados indígenas venezuelanos da etnia Warao Coromoto, que abandonaram seu país de origem em busca de melhores condições de vida no Distrito Federal.

Se hoje contam com apoio do Governo do Distrito Federal (GDF), a comunidade precisou lidar, por meses, com a insegurança de estar em um país novo. “Nós ficamos por muito tempo morando no chão da Rodoferroviária de Brasília, dependendo da boa ação das pessoas. Lá na Venezuela não dava mais para ficar. Aos poucos, aqui, fomos ganhando acolhimento e apoio e hoje nós só temos a agradecer ao governo do DF”, diz, emocionado, o cacique da comunidade Warao, Miguel Antônio Quijada, 45 anos.

Em atenção à comunidade refugiada, o GDF disponibilizou dez casas para abrigar os 46 núcleos familiares do grupo. Os indígenas moram em estruturas construídas no ano passado, fruto de uma parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

Miguel Antônio Quijada, cacique da comunidade Warao: “Nós ficamos por muito tempo morando no chão da Rodoferroviária de Brasília, dependendo da boa ação das pessoas. Lá na Venezuela não dava mais para ficar. Aos poucos, aqui, fomos ganhando acolhimento e apoio e hoje nós só temos a agradecer ao governo do DF”

“A nossa primeira grande conquista foi o local onde estamos instalados”, revela o cacique. De acordo com ele, a segunda vitória foi conseguir matricular todas as crianças e jovens da comunidade em uma instituição de ensino — realidade essa que nunca sequer havia acontecido quando moravam ainda na Venezuela.

Foi a partir daí que o sonho de uma vida melhor começou a se concretizar. Para o cacique, não é apenas uma sala de aula de 70 metros quadrados. É um espaço que nunca havia sido frequentado pelas crianças de 4 a 17 anos da comunidade. A ânsia para aprender a ler e a escrever, pelo menos, o próprio nome é o que motiva as crianças a irem todos os dias para as aulas.

Para recepcioná-los, em 2023, não foi tarefa fácil. A Escola Classe Café Sem Troco, localizada a cinco quilômetros de distância da comunidade, precisou passar por uma série de adaptações para acolher os 67 jovens Warao Coromoto. Professora bilíngue, com fluência em português e espanhol, uma intérprete de libras para atender uma aluna com deficiência auditiva e educadores sociais voluntários da própria comunidade se mobilizam dia após dia para garantir um ensino inclusivo aos alunos refugiados.

A professora Maria Janerrandra Fogaça se sente orgulhosa em ser responsável pela mudança dos jovens Warao: “Vê-los comendo na hora da merenda é gratificante. Eles não tinham como se alimentar na Venezuela. Alguns costumes nós também conseguimos adaptar. A gente precisa prepará-los para conviver também fora da escola”

Estratégias de socialização também fazem parte do planejamento educacional. Para os alunos brasileiros já matriculados na escola, a direção precisou incluir novas frentes de ensino. “Nós não podemos separar esses jovens dos outros que já estudavam aqui. Eles precisam conviver com todos, isso faz parte da cultura deles, de enxergar o mundo de forma coletiva”, defende a diretora da escola, Sheyla Cristina Alves Passos. “Por isso, os estudantes da comunidade Warao têm aulas de português, espanhol, warao e libras. Já as outras turmas também aprendem espanhol e libras para que possam se comunicar com os alunos refugiados”, conclui Sheyla.

O processo de aprendizagem de quem antes não sabia ler nem escrever está avançando, apesar das dificuldades. As aulas, de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 12h30, reúnem todos os alunos em uma única sala de aula, onde são criados grupos por nível de alfabetização.

“As nossas crianças não liam, não falavam português, não escreviam e tinham muita vergonha. Agora já não tem mais isso. A gente vê que eles estão aprendendo. Para nós, não há maior compromisso no mundo do que garantir a entrada deles na educação”, defende o cacique.

Josesu Pacheco Rojos, que chegou à escola neste ano e está aprendendo as primeiras etapas da alfabetização: ele quer ler e escrever para poder ensinar à família

Transformação de vidas

Questionada sobre os desafios de educar um grupo de refugiados indígenas venezuelanos, a professora Maria Janerrandra Fogaça não segurou as lágrimas: “Eles são os nossos filhos”, diz. “Eu não me imagino dando aula para outros alunos que não sejam eles. Eu sou apaixonada por todos. Quando saio de férias, não paro de pensar em todos. A realidade deles, quando chegaram aqui, me tocou muito. É Deus que nos capacita para essa posição e eu sou muito orgulhosa em ser a responsável pela mudança de vida deles”, compartilha.

“Vê-los comendo na hora da merenda é gratificante. Eles não tinham como se alimentar na Venezuela. Alguns costumes nós também conseguimos adaptar. Hoje eles sabem comer direitinho, sem derrubar ou jogar a comida no chão. Eles aprenderam a usar o banheiro também. Eles estão com outros modos na hora de socializar também. A gente precisa prepará-los para conviver também fora da escola”, defende a professora.

Além disso, a merenda escolar aos poucos foi aumentando a aceitabilidade. Antes havia espaço somente para arroz e frango, mas hoje há a possibilidade de comer verduras e cuscuz, por exemplo. Já dentro da própria comunidade, o apoio para se alimentar vem do GDF. Graças ao Cartão Prato Cheio, instituído pela Sedes-DF, os núcleos familiares conseguem adquirir o essencial para ter o que dar de comer à comunidade.

Ler, escrever e falar 

Mesmo que ainda estejam em processo de alfabetização, é unânime entre todos os alunos da turma Warao: a primeira coisa que querem aprender a escrever sozinhos é o próprio nome. Para Birmarys Del Valle Zapata Rivero, 16 anos, a sua matéria preferida é o português: “Eu quero aprender a ler e a escrever para ajudar as minhas amigas. Eu sou muito mais feliz aqui do que na Venezuela”, avalia.

Já para o Josesu Pacheco Rojos, 13 anos, o objetivo é ainda maior: “Eu quero logo saber escrever e ler porque eu quero ensinar a minha família também”. Ele chegou à escola neste ano e, há quase um mês tendo aulas, está aprendendo as primeiras etapas da alfabetização.

“Ele é muito dedicado. Está em uma turma diferente porque ele entrou agora, neste ano letivo. Já está aprendendo as vogais. É difícil, mas ele está se saindo bem”, avalia a professora Maria Janerrandra.

Já para Noli Zapata, 13 anos, o sonho com a alfabetização é, um dia, poder escrever um livro. “O que eu mais gosto de estudar é para aprender a ler e escrever. Quando eu souber, quero escrever livros. Eu também gosto muito de jogar bola aqui no Brasil”, revela a garotinha.

 

*Fonte: Agência Brasília

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