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quinta-feira, dezembro 26, 2024

Cuscuz paulista: a história de como o prato chegou às mesas de São Paulo

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O cuscuz paulista apanhou na internet em 2023. Foi chamado de pior comida do mundo, além de ser denominado a versão feia do seu irmão nordestino. Centradas na textura e na aparência do prato, as críticas ofuscam uma história centenária da gastronomia regional.

Recorri a Viviane Aguiar, doutoranda em história social na USP e pesquisadora no Museu Paulista, para entender a origem da comida. Leia a seguir a entrevista.

Como surgiu o cuscuz?
É difícil dizer quando surgiu, mas, de modo geral, o prato tem origem moura, do norte da África. No século 18, ele aparece em Portugal como receita no livro “Arte de Cozinha”, de Domingos Rodrigues.

O preparo do português tinha farinha de trigo cozida em um cuscuzeiro —recipiente que recebe vapor de água fervente. Depois, formava-se uma massa dura e seca para ser hidratada com caldo de carne ou açúcar com ovos.

Quando chegou ao Brasil, a receita incorporou farinhas locais, de milho ou de mandioca. O cuscuz, como o virado de feijão, era alternativa fácil de matar a fome em meio à escassez de recursos.

Qual a relação do prato com São Paulo?
Um dos primeiros registros da palavra cuscuz em SP aparece em 1728. Foi usada em um relato do então governador da capitania, Rodrigo César de Menezes, enviado a Portugal, sobre mantimentos de uma expedição às minas de Cuiabá.

No século 19, surgiram na capital paulista as quitandeiras, mulheres negras que vendiam comidas, como o cuscuz, nas ruas. O prato levava camarões, bagres e piquiras, uma espécie de peixe, encontrados nos rios da cidade —hoje, algo impensável.

Mas o adjetivo paulista veio dos esforços de construir uma identidade estadual no início do século 20. Com a narrativa bandeirante, o cuscuz passou a ser associado à tradição dos sertanistas do passado e não à cultura caipira que ainda vigorava naquele momento.

Como o cuscuz mudou no século 20?
Enriquecido pelo gentílico, o prato ganhou novos ingredientes que acompanharam as transformações alimentares da industrialização: os enlatados, com destaque para sardinha, ervilha e azeitona.

O prato também deixou de ser feito na cuscuzeira, ocupando panelas comuns colocadas diretamente no fogo. De preparo mais rápido, o modelo atendia às necessidades de uma rotina que passou a seguir o estilo de vida americano. O cuscuz acompanhou a história social de São Paulo.

Por que há resistência ao prato?
Por parte dos estrangeiros, talvez exista uma resistência de gosto e de textura. No Brasil, existe uma resistência regionalista que, desde os tempos da Primeira República, procurava separar os estados brasileiros por meio da identificação do que seria de um ou de outro.

A culinária serviu a esse interesse. Os cuscuzes do Sudeste e Nordeste são diferentes, mas nem por isso deixam de ser brasileiros de uma mesma base que combina influências africanas e ameríndias. É uma pena haver qualquer resistência. Qualquer versão de cuscuz é gostosa.

Como fazer um bom cuscuz?
Sou de família caipira, de Tietê, no interior de SP. Minha bisavó tinha uma receita de cuscuz que minha mãe segue fazendo ainda hoje, na cuscuzeira que herdou dela.

Um bom cuscuz precisa ser feito na cuscuzeira, no vapor, com farinha de milho e caldo espesso, muito bem temperado —inclusive, apimentado — e com bastante gordura para dar aquela liga tão gostosa. O cuscuz de panela nunca terá esse mesmo gosto.

O prato na minha família leva sardinha e linguiça, uma mistura improvável. Mas eu adoro cuscuz com qualquer complemento.

Fonte: Folha de S.Paulo – Gastronomia

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