Quando abriu as suas portas na cobertura de um edifício na Praça da República, em 2016, não faltou quem apostasse que o Esther Rooftop teria vida curta. Afinal, o restaurante da dupla de franceses Olivier Anquier e Benoît Mathurin buscava um público de alto poder aquisitivo e o endereço em questão, assim como a praça inteira e todo o centro de São Paulo, há décadas havia sido abandonado pela elite paulistana. No entanto, essa elite voltou a frequentar o Edifício Esther, o primeiro prédio modernista da cidade, em busca da comida do chef Benoît, do charme do ambiente e também da vista da praça e da cidade. Hoje, quase oito anos mais tarde, o restaurante segue sendo um sucesso.
No fim do ano passado, Benoît desafiou mais uma vez o senso comum. O chef, que também é sommelier da casa, anunciou que a nova carta de vinhos passaria a ser 100% de rótulos nacionais. Novamente, houve quem apostasse que a iniciativa não daria certo. “Nenhum cliente até agora reclamou”, conta orgulhoso Benoît. “Nossa carta é uma carta completa. O cliente gosta de tempranillo? Tem. Quer um sangiovese? Também tem. Nebbiolo? Touriga nacional? Pinot noir? O Brasil produz tudo isso. E muito bem.”
Fui outro dia jantar com Benoît para conhecer a carta. Ela é composta por cerca de 50 rótulos, que variam de acordo com a disponibilidade dos fornecedores. Alguns, como o delicioso vinho laranja Under my Skin, da Arte da Vinha, que tomamos naquela noite, mas não está mais na carta, são produzidos em quantidades muito pequenas e acabam logo.
Tem vinhos naturais e vinhos convencionais. Pequenos e grandes produtores. Não são vinhos baratos. No momento, o mais barato é o Wild tinto, um gamay da Miolo que sai por R$ 130,00, e o mais caro, o Monte Alegre, um pinot noir do Atelier Tormentas (leia-se Marco Danielle), que fica por R$ 349,00. Vai do espumante ao vinho de sobremesa.
“Quando cheguei, conhecia bem apenas os vinhos franceses e uma ou outra coisa de outros países da Europa”, conta Benoît. “Primeiro descobri por aqui os vinhos sul americanos, os chilenos e os argentinos. Depois, fiquei amigo do casal Fábio Miolo e Jane Pizzato (ambos de famílias produtoras de vinhos no Sul) e eles começaram a me apresentar os vinhos brasileiros. Passei, então, a visitar produtores.”
Paulistano por opção, Benoît sempre procurou introduzir ingredientes locais na sua cozinha. A casa, por exemplo, tem uma ótima seleção de queijos brasileiros. Segundo ele, há algum tempo já pensava em focar nos vinhos brasileiros. “Meu pai, lá na França, tem uma adega enorme só de vinhos locais”, conta. “Eu queria tentar reproduzir isso aqui com vinhos brasileiros”.
Era só uma ideia até que, em setembro de 2023, durante a Wine South America, em Bento Gonçalves, Benoît encontrou a jornalista Lúcia Porto da plataforma Brasil de Vinhos e contou a sua ideia num vídeo. Segundo ele, depois de publicado o vídeo, as pessoas começaram a cobrar que ele colocasse a ideia na prática. “Conversei com o Olivier e decidimos que iríamos em frente”, lembra. Em outubro, a dupla lançou a nova carta.
Lúcia me enviou esse vídeo logo que foi publicado e fiquei com vontade de escrever este post desde então, mas a agenda estava corrida e só agora em janeiro consegui ir ao Esther. E achei que o aniversário da cidade, que completa hoje 470 anos, era uma boa ocasião para falar de um restaurante na Praça da República e de vinhos brasileiros. Sei lá, harmoniza.
Foi bom ir só agora, porque deu tempo de ver que não é fogo de palha. Eu era uma das pessoas que tinham dúvidas sobre a aceitação que isto teria. Uns anos atrás, o Botanique Hotel & Spa, que só tem móveis de designers e peças de artistas brasileiros, também fez uma carta exclusivamente de rótulos nacionais, mas acabou tendo de criar também uma carta de importados porque a clientela pressionou para isso. Se bem que eles resistiram um bom tempo, mas, desde o início, havia quem não aceitasse tanto que eles não cobravam rolha para não ter problemas. Quem quisesse que levasse o seu importado.
O que me chamou a atenção foi Benoît dizer que não há reclamações. Isso mostra que a visão do brasileiro em relação ao produto nacional está evoluindo. “Durante a pandemia houve uma mudança”, diz Benoît. “Nas entregas, senti que as pessoas estavam descobrindo o vinho nacional”. Que marravilha! como diria outro chef francês radicado no Brasil. Então, brindemos ao vinho nacional, à revitalização do centro de São Paulo e aos 470 anos dessa cidade um tanto cosmopolita, um tanto provinciana, que milhões, nascidos ou não por aqui, chamam de sua.