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domingo, novembro 24, 2024

Boteco bom é boteco raiz?

Circulou recentemente, nas redes sociais, um vídeo de um bar chamado Galo, em Pinheiros. Entretenimento de primeira, tanto pelo filminho em si quanto pelos comentários.

O vídeo mostra a calçada tomada por uma multidão de típicos playboys paulistanos, que bebem em pé, sentados em cadeiras de praia ou escorados em engradados de cerveja.

O narrador afirma que o Galo “é um rolê bem raiz, tipo boteco mesmo”. Um lugar, segundo o influenciador, para quem gosta “da muvuca de ficar em pé”, definido como “lotado e quente”.

Os comentários depenam o Galo. Em suma, dizem que se trata de paulistanos performando uma experiência imersiva de beber num bar de pobre, porém sem um inconveniente –o pobre.

Paulistano que sou, não posso deixar de concordar.

O Galo é um bar-caricatura, uma atração temática, um botequim cenográfico. Coisa que há aos montes em São Paulo, mas não nasceu aqui, não foi inventada ontem nem se restringe aos bares.

Há também restaurantes tão autênticos quanto uma nota de R$ 3. Como o Paris 6 (representação caricata da França), o Outback (idem para a Austrália) e todas aquelas cantinas do Bixiga, com tarantela no último, vinhos e provolones pendurados no teto.

O berço dessa modalidade de casa –ou ao menos a terra onde ela mais prospera– são os Estados Unidos da América.

O restaurante mais caricato em que já pus os pés é um certo Medieval Times, rede americana que combina jantar com um torneio de cavaleiros de armadura. Até os cavalos ficam constrangidos com a patacoada e, em minha defesa, digo que tinha 15 anos e estava numa excursão.

Bares e restaurantes temáticos são sempre um pouco caricaturais, mas há uma gradação no ridículo da coisa.

O Moela e o Bagaceira, ambos em Santa Cecília, são “botequins” tão fajutos quanto o Galo. Neles, porém, o truque é menos escandaloso e –fator de relevância máxima– a comida brilha.

Aliás, um lugar autêntico (ou “raiz”, como está em voga) não é necessariamente melhor do que um negócio calculadamente construído sobre uma identidade alheia.

O Coco Bambu, por exemplo, irradia autenticidade. Foi criado no Ceará por um cearense e serve comida cearense. É bom? Não acho. Você é livre para discordar.

Por outro lado, todas as marcas da Cia. Tradicional de Comércio –Pirajá, Bráz, Astor etc.– são, veja bem, marcas.

Todas elas, simulacros muito bem estruturados de outros bares e restaurantes. Autenticidade zero, mas entregam uma qualidade acima da média.

O bar Filial, na Vila Madalena, onde eu e meio mundo batíamos cartão nos anos 2000, era uma imitação de algum tipo de mercearia antiga, que nunca existiu de verdade naquele formato. Nada raiz. E um ótimo bar, na primeira encarnação.

O que não tem condição é ser fake no limite do absurdo, oferecer cadeira de praia, caixote de cerveja, lotação, calor extremo e churrasquinho de filé miau com preços de Pinheiros.

Fonte: Folha de S.Paulo – Gastronomia

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