A dieta africana é apresentada por Luís da Câmara Cascudo, em sua “História da Alimentação no Brasil“, como um dos pilares da formação da gastronomia do país. É curioso perceber o quanto essas tradições estão tão presentes nos sabores cotidianos dos brasileiros, mas tão distantes de serem reconhecidas de verdade pela maioria da população. É uma comida que é ao mesmo tempo tão íntima, mas tão estrangeira ao nosso paladar.
Basta olhar o cardápio do Biyou’z Culinária Africana, um dos principais representantes da gastronomia do continente em São Paulo, para se dar conta desse paradoxo.
Pratos tradicionais do continente como abisse, attieke, issingui, kigaly, fumbua e mbongo tchiobi precisam ser acompanhados de descrições detalhadas de ingredientes e formas de preparo, além fotos que mostram sua aparência.
Mas é só ignorar esse estranhamento inicial diante de pratos que soam desconhecidos para entender a influência citada por Câmara Cascudo.
Um sentimento de familiaridade e surpresa se faz presente a cada garfada dos mais de 20 pratos oferecidos pelo Biyou’z. É possível reconhecer os ingredientes, os aromas, os sabores. Mas ao mesmo tempo as combinações encontradas são diferentes, surpreendentes, desafiadoras e mesmo empolgantes.
E os molhos são o grande destaque da comida africana apresentada ali.
O mafé (R$ 43) traz um peixe frito com um caldo encorpado feito com amendoim torrado que parece envolver deliciosamente todas as papilas gustativas. O egussi (R$ 50), recomendação de um garçom como sendo um dos melhores da casa, é mais enigmático, mas igualmente muito saboroso. Mistura de sabores familiares e surpreendentes com pedaços de frango e um molho de semente de abóbora, camarão moído e tomate.
O DG (R$ 45) é mais familiar, com uma mistura de banana da terra frita com legumes e frango. E o fumbua (R$ 55) volta à mistura de amendoim e camarão moído no molho, com uma folha seca tradicional da África que dá nome ao prato e um sabor mais ligado à terra.
Os molhos são tão centro das atenções que a maioria dos pratos permite alterar entre carne, peixe e frango que vão nos pratos principais. E vale ressaltar que não estamos falando de filé, mas de pedaços de peixe e frango com ossos e espinhas, que ajudam a dar ainda mais sabor aos pratos, ainda que possam tornar mais desafiador o processo de comer.
Os pratos são muito bem servidos, e a apresentação é de comida bem simples, caseira.
A mandioca se faz presente como acompanhamento frequente, mas o que mais chama a atenção é o fufu, que vem junto com muitos dos ótimos molhos da casa. Parece uma polenta branca, mas é feita de arroz, com uma textura entre cremosa e gelatinosa, mas sem muito sabor.
De entrada, há bolinhos de carne e de peixe, além de pastéis. A opção com descrição mais atraente é o kai (R$ 27) que são jilós recheados com carne de porco, mas que tem sabor suave e não se destaca tanto, e acaba ofuscado pelo forte sabor dos pratos principais.
Como sobremesa, o doce de mandioca (R$ 20) surpreende. Trata-se de um creme com uma textura levemente “arenosa” (como farinha?) e um toque azedo agradável que contrasta com o açúcar e não deixa ficar doce demais.
O Biyou’z é um projeto da chef camaronesa Melanito Biyouha, com dois endereços na cidade, em Campos Elíseos e na Consolação. Ainda que a África não seja um país, ela estudou diferentes culturas para reuni-las em um só lugar, uma boa forma de introduzir esta velha novidade ao paladar brasileiro.
De sabor muito marcante, a comida do Biyou’z tem uma aura um tanto misteriosa e surpreendente em meio a muita familiaridade. A cada visita, a vontade é de voltar mais vezes para conhecer todos os pratos e seus molhos deliciosos.