Amores que perduram por décadas ou não resistem a um amanhecer na mesma cama, depois de uma noite de lençóis revoltos, podem começar com seduções visuais sem maiores propósitos que não o de usufruir bons momentos com alguém que, imagina-se, merece todos os sonhos doces que se guarda por uma vida — ou uma tarde de passeios à beira mar, uma volta na roda-gigante ou uma bebida numa noite de sexta-feira, fechando a semana de atribulações quase mortais.
Em “Através da Minha Janela: Olhos nos Olhos”, Marçal Forés bota um ponto final à trilogia sobre dois jovens adultos que se conhecem graças à falha na conexão na casa de um deles (não se esqueça: trata-se de uma série assumidamente voltada para esse público), dando uma ou outra pincelada de drama em situações que nos dois filmes anteriores não tinham espaço para se desenvolver.
A intenção do roteiro de Eduard Sola e Ariana Godoy é boa, mas resta subentendido que o longa nunca passa de um esforço algo incômodo para contar uma história que teria cabido perfeitamente num volume só, como também se pode dizer dos livros de Godoy, nos quais o trabalho de Forés se baseia.
À medida que nos admitimos donos de fraquezas as mais inexpugnáveis, concentradas em espíritos débeis, tanto mais que a carne, vulneráveis aos pesares tão íntimos de cada um, desajustes sociais, tragédias que aniquilam o que há por fora e por dentro, a indefectível tristeza que margeia e conduz a vida do homem do berço ao túmulo, a uma vasta gama de intempéries, enfim, as metafóricas e aquelas que nunca se pejam de logo subjugar o homem pela força de seus efeitos na vida como ela é, vamos compreendendo, ao tempo e no ritmo que só nós mesmos somos capazes de definir, que a existência, malgrado tão dura muitas vezes, é um grande, um soberbo presente com que nos regala Deus, o destino, a sorte, ou seja lá que nome se queira dar a essas manifestações, ocultas e tão evidentes, que se fazem perceber a todo instante na nossa jornada aqui embaixo.
Vinicius de Moraes (1913-1980), gênio e um especialista em romances felizes e desditosos — nesses mais que naqueles, aliás —, disse muito bem em seu “Soneto de Fidelidade” (1946) que o amor, em sendo chama, não pode ser imortal, mas pode ser infinito enquanto os amantes se amarem. Pode ser redundante, óbvio até, mas o amor é mesmo ridículo, como alega o poeta lusitano Fernando Pessoa (1888-1935), outra sumidade no assunto.
Forés segue a tendência lançada por produções como “A Barraca do Beijo” (2018), de Vince Marcello, esmerando-se por tentar convencer quem assiste que o súbito romance entre Raquel e Ares, é capaz de resistir à pletora de mal-entendidos e pequenos abusos que define essa relação, embora tenha se passado tanto tempo e os dois continuem imaturos como sempre.
O diretor retrocede a um acontecimento sobre o qual se debruça com mais minúcias em “Através da Minha Janela: Além-Mar” (2023) para sugerir uma possível separação dos protagonistas; entretanto, a tentação de esticar a corda fala mais alto, e, num inverno em Barcelona, onde se reencontram por acaso, cada qual com seu novo respectivo parceiro, claro, cedem aos apelos de um tempo morto e embarcam numa viagem no tempo em que são os únicos passageiros.
Clara Galle e Julio Peña mantêm o padrão e fazem o que podem diante de um enredo tão plano, cuja grande solução é apelar à lembrança de Yoshi, interpretado por Guillermo Lasheras, morto em “Além-Mar”. O anseio de que ao menos se pudessem esperar que os demais personagens aflorassem se esvai em meio a tamanho lero-lero, em que o casal que encabeça a história monopoliza as atenções de quem insiste em ir até o final.
Filme: Através da Minha Janela: Olhos nos Olhos
Direção: Marçal Forés
Ano: 2024
Gêneros: Romance/Drama/Comédia
Nota: 7/10