O cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, costuma responder aos fiéis que o interpelam sobre assuntos relacionados à Igreja Católica. As conversas ocorrem tanto pessoalmente quanto virtualmente, através das redes sociais. Desde a semana passada, as perguntas se concentram em um único personagem: o padre Júlio Lancellotti. Oeste teve acesso a um desses diálogos, cedido por uma fiel sob condição de anonimato.
“Para que blindar o indivíduo?”, indaga uma religiosa, referindo-se ao padre. Ela teme que o cardeal e a Arquidiocese de São Paulo estejam dificultando a abertura da CPI das ONGs em São Paulo.
A comissão pretende investigar com especial rigor duas instituições: o Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, conhecida como Bompar, e a Craco Resiste. Ambas miram a população de rua e dependentes químicos no centro da capital. É o que faz Júlio Lancellotti, ex-conselheiro do Bompar.
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Para dom Odilo Scherer, no entanto, “o que está em jogo na CPI é a campanha eleitoral de 2024”. Isso porque Júlio Lancellotti é aliado do deputado federal Guilherme Boulos (Psol), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. A descoberta de eventuais ilegalidades pela comissão poderia tirar votos do ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). “Aconteceu o mesmo nas eleições passadas”, ressaltou, ao lembrar de antigas denúncias contra o padre.
O cardeal argumenta que os vereadores paulistanos “erraram o alvo” ao mirar no padre, embora a investigação se concentre nas organizações não governamentais. “Júlio Lancellotti não tem ONG e não é ONG”, defendeu. “Levantaram suspeitas de que esteja tirando vantagem do tráfico de drogas, da prostituição. Isso dói! Chamar o padre de ‘cafetão da miséria’ é muito baixo.”
Segundo dom Odilo Scherer, o padre é alvo de críticas por ajudar os mais pobres. “É meu vigário para assistir à população de rua”, acrescentou. “Deveria abandonar o padre e lançá-lo às feras?”
Silêncio em relação à denúncia contra Júlio Lancellotti
O cardeal não se manifestou oficialmente sobre os vídeos que mostram o padre se masturbando para um menor de idade. A veracidade das cenas, gravadas em 26 de fevereiro de 2019, foi atestada por uma nova perícia técnica audiovisual. Oeste teve acesso a este documento com exclusividade.
Ao longo de 79 páginas, os peritos Reginaldo Tirotti e Jacqueline Tirotti analisaram o estado de conservação dos arquivos, observaram cada frame dos filmes, realizaram os exames prosopográficos (técnica que identifica as características faciais), inspecionaram os áudios e comprovaram sua integridade.
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Os vídeos foram gravados pelo adolescente, que tinha 16 anos na época das conversas com Lancellotti. A cena inicial mostra uma tela de celular, com trocas de mensagens no aplicativo WhatsApp. Depois, começa a videochamada e a câmera oscila entre as partes íntimas e o rosto do padre.
A denúncia contra Júlio Lancellotti chegou à Arquidiocese de São Paulo, que decidiu arquivá-la em menos de 24 horas. A Cúria Metropolitana do Estado, responsável por analisar o caso, alegou que o vídeo pornográfico é o mesmo que fora enviado à instituição em 2020, ano da primeira denúncia contra o pároco. Naquele ano, houve rejeição por “falta de materialidade”. Agora não houve “convicção suficiente”.
A denúncia foi entregue na segunda-feira 22 pelo presidente da Câmara Municipal, vereador Milton Leite (União). Dom Odilo Scherer é quem recebeu o material.
A velocidade do arquivamento se tornou alvo de críticas. A ex-deputada e professora de Direito Janaina Paschoal, por exemplo, disse que a arquidiocese deveria ser mais cautelosa.
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“Não existe arquivamento de investigação que não ocorreu”, disse a ex-deputada. “Para arquivar por falta de autoria, materialidade ou provas, é preciso apurar primeiro. Ademais, imperioso lembrar que a certeza absoluta é requerida para fins de condenação.”
A denúncia segue nas mãos do Ministério Público Federal (MPF), da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Vaticano, instituição máxima da Igreja Católica.
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