É cena comum em restaurantes conceituados: a cada bocadinho bonito e bem elaborado que chega à mesa, o garçom vem, cheio de nove horas, explicar cada ingrediente e técnica utilizada. É legume de não sei onde, espuma não sei do quê e redução daquilo outro. Passados os principais e finda a sobremesa, o comensal pede o cafezinho. E logo vem aquela bebida duvidosa, xoxa, sem explicação alguma, muitas vezes extraída de uma cápsula e silenciosamente deixada à mesa, às vezes guarnecida por uns micro biscoitinhos doces, mais para disfarçar o sabor da bebida do que para harmonizar com ela.
O ritual de requinte acompanhado de café questionável é uma instituição que não falha também no setor de hotelaria.
Certa vez fui a uma pousada com uma proposta natureba-gourmet, que dizia valorizar o bem-estar dos hóspedes e a qualidade dos seus insumos. No café da manhã, um buffet com itens como kefir, granola artesanal, pães de fermentação natural e por aí vai. Lá no fim da bancada, depois das instagramáveis pitaias e da estação de tapiocas e de omelete de claras (!), estava ela, a garrafa térmica. Num canto triste, como que esquecido pela proposta do estabelecimento, o café, com cor de piche e sabor de borracha queimada.
Por que, afinal, esses estabelecimentos que cobram tão caro do consumidor e têm propostas gourmet servem cafés baratos e ruins?
Há algumas razões. A primeira delas é ainda uma percepção equivocada de que café é tudo igual. Ora, se o estabelecimento entende que café é tudo igual, então que se escolha o mais barato mesmo. Faz sentido.
Outro argumento comumente utilizado é que o consumidor médio gosta mesmo é de café comum, aquele tradicional do supermercado. Pode até ser, mas, se o estabelecimento quer oferecer uma experiência de hospedagem ou alimentação de alto padrão, então o café também deve acompanhar. Não dá para servir um café com gosto de fumaça enquanto oferece uma comida requintada ou põe o hóspede para dormir numa cama com lençóis de infinitos fios egípcios.
Mas a razão mais preponderante é a econômica. Muitas vezes as grandes marcas oferecem não apenas um preço competitivo, mas também todo um aparato de apoio. Xícaras, pires e utensílios para preparo, tudo isso é disponibilizado pela empresa.
Assim, se o restaurante ou hotel insiste em ter um café especial, de torrefações independentes, ele terá que abrir mão de todo o enxoval que as grandes empresas costumam oferecer. E isso tem um custo.
Felizmente, o cenário tem mudado, ainda que muito lentamente. O crescimento do público que busca café gourmet tem feito as empresas do setor olharem com mais atenção para a bebida que servem.
Sobretudo pousadas boutique têm começado a oferecer cafés especiais, com torras frescas e grãos moídos na hora.
Restaurantes também começam a enxergar o cafezinho não mais como mero fim de refeição, mas sim como parte dela. E, como tal, deve harmonizar com o menu.
O movimento, contudo, ainda é lento, e prevalecem os restaurantes e hotéis caríssimos que servem cafés de centavos.
Não digo que eles deveriam oferecer microlotes raros ou coisa assim. Mas também não se pode servir aquele pó preto que fora torrado e moído meses antes de ir à mesa.
Será um fim de refeição ou um amanhecer bastante amargo.
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