Uma boa história é uma boa história independentemente do formato. E um bom contador de histórias busca contá-las (também) independentemente do formato – ou, mesmo ainda, busca encontrar o melhor formato para contar determinada história – o que muitas vezes pode ocasionar num desafio de sair do método ao qual já se está acostumado e ir atrás de outras tecnologias que se apresentem como melhores ferramentas. Recentemente, isso aconteceu com o renomado diretor José Eduardo Belmonte, responsável por sucessos como ‘Carcereiros’ e ‘Alemão 2’, e que volta ao cenário agora (entre um filme e outro) lançando o podcast “Rádio Filmes do Impossível”. Com exclusividade nossa repórter Janda Montenegro conversou com o diretor para o Cinepop.
“Eu sempre fui curioso sobre as formas de contar histórias”, comenta o diretor. “Ei comecei fazendo rádio, depois fui pra vídeo-arte e fui experimentando, porque a gente sempre procura expandir a nossa forma de contar. Mas eu sentia que algumas histórias acabavam não vindo a acontecer no cinema, porque ou as pessoas as achavam muito malucas ou porque achavam muito difíceis de realizar, por questões de produção”.
Enquanto isso, Belmonte começou a consumir as produções de podcast que vinham de fora, e pensou que esse poderia ser um caminho interessante para explorar narrativas audiovisuais, ainda que sem imagens. “Aí pensei que esse seria um caminho para trazer não só as minhas histórias, mas histórias de pessoas que são muito arrojadas, mas que não acontecem por razões circunstanciais de produção, de orçamento. Aí eu fiz a curadoria de pessoas que eu gostava para o projeto, chamei a Simone Campos, o Carlos Marcelo, Rosanne Mulholland, que é escritora e eu gosto muito. Fui indo atrás dessas histórias e fui chamando amigos e também trouxe sound design e também trilheiros que trabalham comigo, porque esse é um campo de experimentação”.
A partir desse início, não foi difícil imaginar que a série se transformasse num campo de estudo e que todo o ambiente se tornasse incrível e divertido como outras produções do passado. Mas quando perguntado, Belmonte rapidamente esclarece “não é que nem radionovela, porque a gente descobriu que pode fazer umas cenas que não tem imagem, a gente deixa pra pessoa preencher o que está acontecendo na história. Tipo, tem uma briga, você pode não saber por que está acontecendo, mas sabe que está acontecendo uma briga, através do som. É fazer uso do sonoro para preencher a imaginação”.
As histórias que compõem o podcast são muito criativas e muito visuais, em gêneros diferentes. “Basicamente as primeiras histórias são fantásticas. Tem uma distopia da Simone Campos (“Teorema”, tem uma ficção-científica do Carlos Marcelo (“Inteligência Artificial Entrevista”); tem um terror da Rosanne Mulholland (“Penumbra”) e tem um terror que está agora no ar. Hoje a gente está trabalhando o gênero fantástico, que eu amo, e que a gente não faz muito aqui porque é caro. Agora eu estou tendo a oportunidade de extrapolar, nesse sentido”, explica o diretor, que contou com vozes como Natália Lage, Otávio Müller e Juliana Didone para as narrações.
Por trabalhar gêneros bastante criativos e permitir que cenas inteiras fiquem a cargo da imaginação do ouvinte, o podcast “Rádio Filmes do Impossível” se transforma, também, como uma ferramenta de inclusão, ainda que não calculada. “Eu só fui pensar nisso às vésperas de lançar, você sabia?”, compartilha o diretor. “Realmente tem todo um público que tem uma relação né. São filmes, eu os considero filmes. E eu acho isso muito bacana, até porque não foi o primeiro foco do projeto. Realmente expande mesmo, porque ao mesmo tempo que é um laboratório, ele não perde a sua função de comunicação”.
Através de caminhos que se bifurcam e oferecem trajetos distintos, o podcast “Rádio Filmes do Impossível” foi se delineando a partir de um pedido muito simples de Belmonte aos escritores: façam aquilo que vocês acharem de mais maluco possível. Mesmo com um trabalho de edição do próprio diretor e criador do podcast, foi a liberdade para criar que deu o direcionamento do projeto. “Quis o gênero fantástico porque ele dá muito campo de criação para o som, e acho que as pessoas poderiam brincas muito com músicas, com o sound desing, com o sonoplasta”. E anuncia: “Mais adiante, se der certo, aí quero expandir para além do fantástico. Por enquanto, é terror, fantasia, distopia”.
Para criar seu podcast, Belmonte se inspirou em Orson Welles, e sua narração de uma invasão alienígena que causou pânico nos ouvintes da rádio CBS, nos EUA, em 1938. “A gente demorou muito a estrear porque apanhamos um pouco sobre como colocar na plataforma”, brinca o diretor. “Foi um grande aprendizado, é um outro veículo, outra forma de indexar som. A gente ia colocar três histórias por mês, aí descobrimos que a navegabilidade fica ruim porque ficam sobrepostas. Então decidimos por uma história por mês”. Sempre antenado no momento, Belmonte conta que, no maior estilo ‘Black Mirror’, “mais pra frente queremos colocar um talk show conduzido por uma inteligência artificial, entrevistando coisas que existem e que não existem. A primeira seria comigo, explicando tudo. Mas essa IA é muito debochada, ela não é inteligente, fala muito enrolation”.
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Brincadeiras à parte, as histórias seriadas buscam, sobretudo, conversar sobre a contemporaneidade, e servem como mostruário de talentos. Até por isso, Belmonte se mostra completamente aberto a receber histórias de escritores brasileiros que desejem colocá-las no podcast “Inicialmente convidei pessoas que eu admiro e conhecia e porque sinceramente tínhamos pouco orçamento, e honestamente isso interfere no projeto. Mas eu quero muito, porque é um projeto independente, e eu quero muito que ele dê certo porque tem muito escritor que eu não conheço, mas que eu gosto muito da escrita, e que eu queria muito conhecê-las e tornar essas histórias concretas.”
Desse primeiro sopro, o podcast “Rádio Filmes do Impossível” tem tudo para se tornar uma vitrine de talentos da escrita fantástica brasileira e uma fonte segura de histórias inacreditáveis.
Quer conhecer mais? O podcast está disponível no Spotify e Deezer clicando aqui.